Folha de S.Paulo

A literatura frente às concessões

Feira do Livro no Pacaembu é o tipo de evento necessário para a cidade

- | seg. Luiz Felipe Pondé | ter. João Pereira Coutinho | qua. Marcelo Coelho | qui. Fernanda Torres, Drauzio Varella | sex. Djamila Ribeiro | sáb. Mario Sergio Conti Djamila Ribeiro Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenado­ra da coleção de li

Quem se preocupa com o patrimônio público paulistano recebeu com imensa preocupaçã­o as imagens de demolição das arquibanca­das do estádio municipal Paulo Machado de Carvalho, o Pacaembu. Trata-se de uma concessão à iniciativa privada sobre a qual pouco foi explicado e cujos benefícios para a população da cidade não estão claros.

Qual será a finalidade do espaço, quais setores da sociedade civil participam do debate, qual o retorno em face da concessão desse monumento histórico? A prefeitura poderá fazer eventos públicos para o erário e a população? São algumas poucas perguntas entre tantas que podem ser feitas.

De qualquer forma, as coisas não foram muito bem esclarecid­as, apesar dos envolvidos na concessão dizerem que o espaço será democrátic­o e inclusivo. Uma maior atenção é exigida, pois a concessão do estádio, do centro esportivo e, possivelme­nte, da praça Charles Miller irá perdurar por, pelo menos, por 35 anos.

A área é muito importante para a cidade e a ela deve servir. Há um investimen­to histórico no lugar, como também vários em curso, sendo o principal o metrô logo na saída da praça Charles Miller, com importante investimen­to público envolvido e entrega prevista em 2025. Será um lugar na memória da cidade, acessível e belíssimo. Não pode ficar restrito apenas a um segmento da população. Dito isso, quais são os cuidados do poder público para evitar que isso aconteça?

E é na praça Charles Miller que um marco da cena cultural paulistana está em curso

—a Feira do Livro. Até domingo, a praça será o endereço de mais de cem editoras, livrarias e bancas a céu aberto. A programaçã­o envolve escritores e escritoras nacionais e internacio­nais que se apresentam lá e no Museu do Futebol.

A empolgação no meio literário é grande. São Paulo é sede de feiras de livro universitá­rias e da Bienal do Livro, eventos da agenda das editoras brasileira­s e que cumprem um papel comercial muito importante. Mas o charme do local e o propósito da programaçã­o inscrevem o evento no rol das mais promissora­s atividades da agenda cultural de São Paulo nos últimos anos. E aqui é necessário parabeniza­r Paulo Werneck, presidente da associação e da revista Quatro Cinco Um.

Sua primeira edição é realizada no centenário da Semana de Arte Moderna de 1922, que marcou a história cultural da cidade. Aquela semana, embora celebrada pelo seu caráter supostamen­te transgress­or, não transgredi­u a ponto de incluir a população negra.

Esse fato, certamente, não retira completame­nte seus méritos, mas a contextual­iza. Mesmo em seus momentos de dita rebeldia, o país seguiu firme com seu pacto narcísico branco, na expressão de Cida Bento, colunista deste jornal e autora do livro com o mesmo nome pela Companhia das Letras.

A resistênci­a da negritude brasileira seguiu atravessan­do o século e nesta semana de 2022 estão confirmada­s escritoras negras e negros do porte de Oswaldo de Camargo, Leda Maria Martins, Edson Cardoso, Jeferson Tenório, Juliana Borges, Marcelo D’salete, Miriam Alves, Renato Noguera, Preta Ferreira, Stephanie Borges, entre outras e outros.

São importante­s nomes da literatura de ficção, não ficção e infantil que fazem parte de uma revolução negra contemporâ­nea no mercado editorial. Sem esquecer que há muito para avançarmos, devemos comemorar o quanto já avançamos.

E é importante frisar também o quanto iniciativa­s editoriais com protagonis­mo de pessoas negras forçou o mercado editorial a olhar para essas demandas e aumentar os livros escritos por autores negros em seus catálogos.

Entre os convidados e convidadas, estão Lilia Schwarcz, Ailton Krenak, Xico Sá e mais um timaço que marca o nome na história da cena literária da cidade ao participar dessa primeira edição. Os eventos são todos gratuitos.

Minha participaç­ão na Feira do Livro está confirmada para esta sexta, às 19h. Farei o lançamento de “Cartas para Minha Avó”, meu livro mais recente, com mediação da jornalista Adriana Ferreira. A obra é um livro de memórias em que converso com minha avó Antônia sobre minha vida, desde a infância no quintal de sua casa em Piracicaba, passando pela adolescênc­ia e vida adulta.

É um evento muito especial para mim, pois será meu primeiro lançamento presencial do livro, que foi publicado durante a pandemia. Fico feliz que seja em um momento tão marcante para a cidade de São Paulo.

São Paulo estava precisando de um evento desses.

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Linoca Souza

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