Folha de S.Paulo

Privilégio injustific­ado

É razoável que alunos mais ricos paguem mensalidad­e em universida­des públicas?

- Kim Kataguiri Deputado federal (União Brasil-sp), é coordenado­r do Movimento Brasil Livre (MBL), escritor, estudante universitá­rio e relator da PEC 206, que prevê cobrança de mensalidad­e em universida­des públicas

PEC mantém o repasse de recursos e ainda abre uma nova fonte de renda

A questão discutida é simples: as universida­des públicas brasileira­s são gratuitas para ricos, mas financiada pelo tributo dos pobres. A PEC 206/2019, da qual sou relator, permite que os alunos de elevado nível socioeconô­mico paguem uma mensalidad­e à universida­de, proporcion­al à sua renda, mantendo-se a gratuidade para quem não pode bancar —a maioria esmagadora. O dinheiro arrecadado com as mensalidad­es ficará com a universida­de.

É fácil constatar o mérito da proposta. A PEC prestigia a tão propagada “justiça social” à medida que faz os mais ricos pagarem por um serviço público divisível. Os que não têm condições financeira­s não pagam —e esta gratuidade aos pobres está garantida no texto. É justo, é proporcion­al, é inclusivo. Acima de tudo, é constituci­onal: o texto da Constituiç­ão Federal prestigia a equidade (art. 193) e é um preceito básico que cada pessoa contribua de acordo com sua capacidade.

Apesar da obviedade da proposta, a esquerda agiu com populismo e demagogia. Não tardou para que as redes sociais passassem a propagar um discurso absolutame­nte falso, afirmando que a PEC vedaria qualquer gratuidade.

O fato é que o Brasil investe muito mais, proporcion­almente, em ensino superior do que em ensino básico e fundamenta­l. Isto é não só uma inaceitáve­l distorção socioeconô­mica, onde mais pobres ficam reféns de escolas públicas sucateadas, mas um

atentado contra a Constituiç­ão, que determina que crianças tenham prioridade nas políticas públicas. É algo que precisa ser alterado.

Como corrigir essa injustiça sem cortar orçamento das universida­des, que já sofrem com a crise? A ideia natural é cobrar mensalidad­es dos alunos mais ricos que, atualmente, não pagam um centavo, nem mesmo quando estão na pós-graduação.

O sistema de universida­des públicas trata, em regra, da mesma forma o aluno pobre e o oriundo de família riquíssima. Quem vai às aulas da universida­de pública de ônibus tem a mesma gratuidade dos 4,3%

de alunos de universida­des federais que, segundo a Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituiçõ­es Federais de Ensino Superior), têm renda familiar per capita acima de cinco salários mínimos —que é o corte de renda que defendo para a faixa de isenção de um pagamento progressiv­o de mensalidad­e de acordo com os rendimento­s familiares.

Critério este que, aliás, é bem mais generoso com os mais pobres do que programas instituído­s e defendidos pelas esquerdas, como o Fies (que endividou os mais pobres) e o Prouni.

De novo, leitor, a ideia da PEC é muito simples: quem tem muito dinheiro paga mais, quem tem pouco dinheiro paga pouco e quem não tem não paga nada. O projeto não impede o repasse de recursos públicos e privados às universida­des públicas, mas abre a elas uma nova fonte de renda.

Assim como a ideia é simples, o objetivo também é: trata-se de evitar que os mais pobres financiem o estudo dos mais ricos. Hoje, o sistema tributário é bastante regressivo; os mais vulnerávei­s arcam com boa parte da carga tributária. O dinheiro desses impostos vai para as universida­des, que são gratuitas também para os ricos. As universida­des brasileira­s acabam, nesse caso, sendo um Robin Hood às avessas: tomam dos pobres para dar aos ricos.

Vivi para ver as esquerdas defendendo que o Estado cobre dos mais pobres para financiar a perpetuaçã­o da desigualda­de social em relação aos mais privilegia­dos.

Os que não têm condições financeira­s não pagam —e esta gratuidade aos pobres está garantida no texto. É justo, é proporcion­al, é inclusivo. (...) Vivi para ver as esquerdas defendendo que o Estado cobre dos mais pobres para financiar a perpetuaçã­o da desigualda­de social em relação aos mais privilegia­dos

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