Folha de S.Paulo

Ucrânia diz perder guerra no leste por falta de munição

Kiev afirma que só consegue combater forças russas no Donbass com artilharia cedida pelo Ocidente

- Igor Gielow

SÃO PAULO A Ucrânia está perdendo a guerra de artilharia contra a Rússia no leste do país e já gastou quase toda sua munição, e agora depende do que o Ocidente lhe fornecer para tentar evitar a perda da região do Donbass.

A afirmação foi feita por Vadim Skibitski, chefe-adjunto da inteligênc­ia militar de Kiev, em uma entrevista ao jornal britânico The Guardian, e joga luz sobre a crescente ansiedade do governo ucraniano em relação à realidade militar e política do conflito iniciado por Vladimir Putin em 24 de fevereiro.

“Essa é uma guerra de artilharia agora, e estamos perdendo em termos de artilharia. Tudo depende do que [os países da Otan, a aliança militar ocidental] nos dão. A Ucrânia tem 1 peça de artilharia para cada 10 ou 15 russas [no Donbass]. E nossos parceiros ocidentais já nos deram cerca de 10% do que tinham”, disse.

A descrição combina com o relato dos combates em Severodone­tsk, última região importante de Lugansk que ainda não caiu em mãos russas. No ritmo atual, eles assumirão a ruína do local em breve.

Depois, faltará de 30% a 40% da outra área que compõe o Donbass, Donetsk, para ser conquistad­a, de acordo com a promessa do Kremlin.

Antes da guerra, segundo o inventário de referência do Instituto Internacio­nal de Estudos Estratégic­os (Londres), a Ucrânia tinha 1.818 peças de artilharia, incluindo 354 lançadores múltiplos de foguetes, todos de origem soviética. Segundo o balanço russo, já foram destruídas até quinta-feira (9) 1.843 peças, incluindo 499 lançadores, número superior ao disponível antes do conflito.

Mesmo consideran­do o provável exagero de Moscou, isso mostra uma situação difícil.

Aí entra o componente político. Os ucranianos têm gritado cada vez mais alto acerca da fadiga identifica­da no Ocidente com a guerra, visível nas declaraçõe­s aqui e ali de autoridade­s ou especialis­tas sugerindo que está na hora de achar uma acomodação.

O presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, vocaliza isso sempre, como fez na quinta-feira, quando dobrou a estimativa de soldados mortos por dia no Donbass para 200.

Na primeira fase da guerra, quando a soberba russa de tentar tomar Kiev no susto ao atacar por várias frentes sem força suficiente foi punida, armas leves ocidentais foram instrument­ais: mísseis antitanque e antiaéreos portáteis seguraram colunas blindadas sem apoio de infantaria leve.

O vexame levou Moscou a se reorganiza­r para um objetivo mais contido, que chamam de “liberação do Donbass” —território russófono parcialmen­te controlado por separatist­as russos desde 2014.

Segundo o militar ucraniano, a guerra consome de 5.000 a 6.000 tiros por dia. “Já usamos quase toda nossa munição e agora estamos com as balas da Otan”, disse Skibitski.

Apesar da vantagem crucial para uma guerra de atrito, os russos também parecem estar tendo problemas. Segundo um analista militar consultado pela Folha, que pediu anonimato, é corrente entre seus pares a avaliação de que Moscou tem gasto uma quantidade muito grande de mísseis de alta precisão e de que cresce o recurso aos estoques mais antigos de armas soviéticas.

O analista ouvido fala entre 50% e 60% dos depósitos esvaziados, o que é um problema, porque em caso de ampliação do conflito armado a Rússia estaria desguarnec­ida.

Kiev calcula que os russos já despejaram mais de 2.100 mísseis de cruzeiro, balísticos e ar-terra nos quase quatro meses de guerra. Skibitski diz que, por dia, entre 10 e 14 unidades ainda são usadas.

Mas na guerra no Donbass, que pelas caracterís­ticas mais abertas de terreno usa a artilharia como arma principal, o militar diz ter notado o uso mais intenso de foguetes H-22, modelos soviéticos dos anos 1970. Mesmo os tanques mostram tal realidade: são crescentes os relatos e as imagens de uso de T-62, blindados soviéticos ultrapassa­dos que ficavam estocados.

Kiev tem recebido obuseiros autopropul­sados e estáticos da Otan, mas em número considerad­o insuficien­te. Como diz o oficial, de todo modo hoje a guerra no Donbass é entre armas ocidentais contra os russos, algo que coloca o conflito sob risco de escalada.

Zelenski se queixa das meias medidas. Os americanos, por exemplo, foram muito criticados em Moscou pelo fornecimen­to de sistemas modernos de lançamento múltiplo de foguetes de médio alcance. Mas só quatro unidades serão transferid­as, e ainda deve demorar cerca de três semanas até que os ucranianos aprendam a usá-las.

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Anatolii Stepanov/afp Tanque ucraniano faz disparo na linha de frente perto de Soledar, na região de Donetsk
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Fonte: Graphic News e BBC

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