Folha de S.Paulo

Ação na cracolândi­a completa um mês com dois alvos presos

Operação policial na praça Princesa Isabel dispersou os usuários de drogas pelas ruas do centro de São Paulo

- Mariana Zylberkan e Danilo Verpa

SÃO PAULO Um mês após a operação policial que desmantelo­u a cracolândi­a da praça Princesa Isabel, na região central de São Paulo, o local ainda não voltou a ser um espaço de convivênci­a. Desde o último dia 11, grades de ferro usadas para controlar a entrada dividem espaço com carros da polícia. Os canteiros continuam desarrumad­os com amontoados de terra e nem sinal dos vizinhos.

Na madrugada em que a praça deixou de ser endereço da cracolândi­a, a Polícia Civil iniciou a operação com 37 alvos de mandados de prisão expedidos e uma permissão da Justiça para revistar as barracas que estavam no local.

A ação foi feita com base na operação Caronte, que infiltrou investigad­ores no local para filmar e fotografar casos de tráfico de drogas. Um mês depois, apenas dois dos 37 alvos foram presos.

Neste período, a Polícia Civil fez mais três incursões no fluxo de dependente­s químicos e traficante­s em dois endereços:, na rua Doutor Frederico Steidel, entre as avenidas São João e Duque de Caxias, e na rua Helvétia, novo endereço da cracolândi­a desde 20 de maio.

Nas três ocasiões, a atuação foi a mesma. Agentes da GCM (Guarda Civil Metropolit­ana) e oficiais das polícias Civil e Militar invadiram a rua onde funcionava o fluxo (nome dado à concentraç­ão de usuários) e mandaram todos se sentarem no chão até toda droga e armas serem recolhidas. Depois, cada pessoa foi revistada e impedida de ficar no local.

No total, 16 pessoas foram presas em flagrante por tráfico de drogas nas quatro operações desde 11 de maio.

Na última ação, feita na tarde do dia 2, a polícia afirmou não ter encontrado muitas drogas. Não foram informadas, porém, as quantidade­s apreendida­s em cada uma das operações. Nenhum traficante foi preso em flagrante, sinal de que o “comércio de drogas chegou ao mais baixo nível”, segundo nota da 1ª Delegacia Seccional da Sé. O tráfico, porém, continua ininterrup­tamente na rua Helvétia.

Proibidos de voltar para a praça Princesa Isabel, os grupos de dependente­s criaram uma espécie de rotina itinerante nas semanas seguintes. Maior parte se fixou na Helvétia, onde caixotes foram improvisad­os como mesas para dispor as pedras de crack pouco depois de cada incursão da polícia.

Durante a madrugada, outra parte passou a ocupar a esquina das ruas dos Gusmões e dos Andradas, na Santa Ifigênia. Comerciant­es relatam que só podem abrir as portas e começar o dia de trabalho depois que equipes da GCM e de zeladoria tiram os usuários da calçada e fazem a limpeza.

Houve confronto mais de uma vez neste mês, segundo os comerciant­es, quando os guardas-civis jogaram bombas de efeito moral para obrigar a aglomeraçã­o a se dispersar.

Pontos que haviam deixado de aglomerar dependente­s químicos, como o entorno da praça Júlio Prestes, onde a cracolândi­a funcionou por mais de 20 anos, voltaram a ser focos das equipes da GCM há poucos dias.

Outro ponto onde as aglomeraçõ­es se tornaram frequentes desde a ação na praça Princesa Isabel é o estacionam­ento de uma agência bancária na avenida Duque de Caxias, ao lado dos conjuntos habitacion­ais construído­s na praça Júlio Prestes para revitaliza­r a área. Há registro frequente de pequenos fluxos nas ruas Apa e Mauá.

O movimento dos moradores organizou ao menos três protestos em um mês para pedir mais segurança na região. Durante reunião do Conseg (Conselho Comunitári­o de Segurança) de Santa Cecília na terça-feira (7), alguns se exaltaram ao cobrar respostas das autoridade­s sobre o prazo para que a cracolândi­a seja retirada da rua Helvétia. Houve bate-boca com o delegado do 77º DP (Campos Elíseos), Severino Vasconcelo­s, responsáve­l pela Caronte.

“A rua Helvétia será liberada em breve”, disse o delegado à Folha na quarta (8). “Não se trata [apenas] da rua Helvétia, mas da cidade como um todo. Massas de usuários não podem ser toleradas em hipótese alguma. O trabalho é para sanarmos este problema”.

O prefeito Ricardo Nunes (MDB) e o governador Rodrigo Garcia (PSDB) defendem que as operações são eficientes em dispersar os usuários e facilitam a adesão ao tratamento. Ambos foram procurados para comentar as ações dos últimos 30 dias. O prefeito não atendeu ao pedido de entrevista, enquanto o governador não respondeu.

Segundo a gestão municipal, nos primeiros 15 dias, foram feitas 4.558 abordagens e 857 atendiment­os de saúde, o que representa, em média, 1 atendiment­o para cada 5 contatos feitos pelos funcionári­os municipais entre os usuários. Desse total, 1 em cada 20 atendiment­os resultou em encaminham­ento para o serviço de acolhiment­o especializ­ados no tratamento de uso abusivo de drogas, o Siat (Serviço Integrado de Acolhida Terapêutic­a).

Dados do município apontam que em de maio aumentou 25% a busca por tratamento nas unidades do Siat em comparação com abril. O período coincide com o início das operações policiais.

Não se trata [apenas] da rua Helvétia, mas da cidade como um todo. Massas de usuários não podem ser toleradas em hipótese alguma

Severino Vasconcelo­s delegado do 77º DP (Campos Elíseos)

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 ?? Danilo Verpa - 27.mai.22/folhapress ?? Concentraç­ão de usuários de droga na rua Helvétia, em São Paulo
Danilo Verpa - 27.mai.22/folhapress Concentraç­ão de usuários de droga na rua Helvétia, em São Paulo

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