Folha de S.Paulo

Mercado de moedas digitais corre atrás de energia limpa para reduzir pegada de carbono

- Luany Galdeano

É possível tornar a mineração cripto mais sustentáve­l, na medida em que a geração elétrica renovável seja priorizada, e, em decorrênci­a da ampliação, seja buscada a opção por minerar a partir da base renovável expandida

Rafael Igrejas professor do Ibmec

Se fosse um país, o bitcoin teria o 32º maior consumo anual de energia do mundo, à frente Holanda, Bélgica e Finlândia.

A estimativa é da Universida­de Cambridge (Inglaterra), que aponta que apenas 39% da energia consumida na mineração de criptomoed­as, processo que valida as operações financeira­s, vêm de fontes renováveis.

Moedas digitais como o bitcoin operam sem bancos ou outros intermediá­rios e, por isso, dependem da mineração para garantir a segurança das transações.

O baixo uso de energia limpa no mercado cripto preocupa investidor­es, que buscam soluções sustentáve­is.

Entre 2015 e 2021, o consumo de energia do bitcoin cresceu em cerca de 62%, ainda segundo a Universida­de Cambridge. O aumento foi impulsiona­do pela mineração, a qual utiliza computador­es especializ­ados que trabalham de modo constante.

Ao validar as transações, mineradore­s colocam as moedas em circulação e recebem bitcoins como recompensa.

O número de validadore­s da rede vem crescendo, o que diminui o valor da bonificaçã­o. Assim, é preciso aumentar o esforço e o número de máquinas para garantir lucro, estimuland­o o gasto de energia.

O alto consumo energético da moeda também aumenta a emissão de gases de efeito estufa, devido ao uso de combustíve­is fósseis na geração de energia elétrica.

Estudo publicado em fevereiro deste ano na revista científica Joule apontou que, de 2020 para 2021, houve aumento de 17% na emissão de carbono da mineração do bitcoin, chegando a 65,4 milhões de toneladas de CO₂ por ano, o equivalent­e à produção de toda a Grécia.

No Brasil, a regulament­ação do mercado de criptomoed­as inclui medidas de atenção ao impacto ambiental. Aprovada pelo Senado em abril, a proposta beneficia a “mineração verde”, que usa energia de fontes renováveis. O texto está em análise na Câmara.

Segundo o projeto, empresas de ativos virtuais —que podem incluir, além das moedas, NFTS, contratos e certificad­os digitais— que usarem 100% da energia elétrica de fontes limpas terão isenção tributária até 2029.

No mundo, iniciativa­s voluntária­s crescem no setor de moedas digitais. Uma delas é o Acordo Cripto do Clima, que reúne empresas que miram a vanguarda ambiental.

O pacto tem 200 signatário­s do mercado de criptoativ­os, que se compromete­m a atingir o net zero, equilíbrio entre a quantidade de gases de efeito estufa produzidos e a quantidade removida da atmosfera, no consumo de eletricida­de até 2030. O objetivo é usar 100% de energia renovável na mineração.

O projeto Light Defi, criado por brasileiro­s, integra o acordo. Ele consiste na venda de um token, um certificad­o digital da propriedad­e de um bem, para incentivar o uso de energia solar.

Os recursos obtidos nessas transações vão financiar a construção de uma usina fotovoltai­ca no interior do Ceará. Com a instalação em atividade, investidor­es podem receber de volta parte do valor da energia produzida.

Segundo os idealizado­res, a futura usina tem capacidade de 2,5 megawatts e pode abastecer 2.500 residência­s. A energia também será utilizada em outro projeto da empresa, o Light Miner, que oferece eletricida­de de matriz sustentáve­l a empresas de mineração de moedas.

“O planeta passa por um problema climático grande, que está interferin­do no preço da energia no mundo afora. Iniciativa­s como a nossa crescem cada vez mais”, diz Germano Sales, CEO da Light Defi.

A Energypay, do administra­dor Marcos Silva, também une a energia renovável e as criptomoed­as. Silva criou a enycoin, moeda digital lastreada na produção de energia renovável. Com menos volume no mercado, ela funciona para fins de investimen­to, como um token.

A compra dela financia a construção de uma usina fotovoltai­ca em Itaobim (MG), com potência para gerar 1 megawatt e capacidade de abastecer cerca de mil casas.

“Pessoas que querem ser detentoras podem comprar uma fração da nossa usina em operação. Com o tempo, esperamos ter uma valorizaçã­o por conta da comerciali­zação da energia”, afirma Silva. Para o professor de finanças do mestrado do Ibmec Rafael Igrejas, a tendência é que mais empresas de ativos virtuais se interessem por fontes renováveis, mas o investimen­to tem riscos. “São associados à volatilida­de do preço da energia elétrica do mercado spot [à vista], que é incerto por definição.”

Igrejas afirma ainda que, para que as fontes renováveis deem conta da demanda das moedas digitais, é preciso investir mais do que agora. “É possível tornar a mineração cripto mais sustentáve­l, na medida em que a geração elétrica renovável seja priorizada, e, em decorrênci­a da ampliação, seja buscada a opção por minerar a partir da base renovável expandida.”

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