Folha de S.Paulo

Governo avalia medidas para assegurar que posto repasse subsídio às bombas

Ideia é que os consumidor­es possam atuar como fiscais dos preços dos combustíve­is

- Julia Chaib, Idiana Tomazelli e Nicola Pamplona

BRASÍLIA Disposto a abrir os cofres da União e destinar R$ 46,4 bilhões em recursos para subsidiar combustíve­is, o governo Jair Bolsonaro (PL) quer agora buscar distribuid­oras e revendedor­as para assegurar que o alívio nos preços será repassado aos consumidor­es.

O temor de integrante­s do Executivo é que as empresas que atuam na cadeia se apropriem de parte do corte de tributos, ampliando suas margens de lucro.

Simulações apresentad­as ao Congresso Nacional indicam que as desoneraçõ­es poderiam significar uma redução de R$ 0,76 no litro do diesel e R$ 1,65 na gasolina.

Membros do governo e do Congresso devem se reunir nos próximos dias com representa­ntes da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombust­íveis), das distribuid­oras e dos postos para tratar do assunto.

O setor de combustíve­is não será o primeiro a ouvir os apelos do governo para segurar as margens de lucro e colaborar no controle da inflação.

Na quinta-feira (9), Bolsonaro e o ministro Paulo Guedes (Economia) pediram a empresário­s do setor de supermerca­dos que segurassem os preços da cesta básica, por exemplo.

A inflação assusta aliados de Bolsonaro, que buscam formas de trazer alívio ao bolso da população sob pena de compromete­r o projeto de reeleição do presidente. O IPCA, índice oficial de preços, acumula alta de 11,73% em 12 meses até maio.

O cardápio de opções inclui eventuais medidas para reforçar disposiçõe­s do Código de Defesa do Consumidor, como a exigência de fixação, em local visível nos postos de combustíve­is, dos preços praticados antes e depois das medidas adotadas.

A visão no governo é que os consumidor­es podem atuar como uma espécie de fiscal dos preços, para assegurar o repasse do alívio.

O próprio presidente já contou ter pedido a caminhonei­ros que ajudem a fiscalizar se os postos estão repassando o alívio nos preços ou estão aumentando suas margens de lucro.

“Hoje comecei a falar para os caminhonei­ros, todo o mundo, fotografar ali painéis das bombas de combustíve­is. Porque, quando e se promulgar a PEC [proposta de emenda à Constituiç­ão], sancionar o PL [projeto de lei], a redução já é para o dia seguinte”, disse Bolsonaro na terça-feira (7), em entrevista ao SBT.

A redução de tributos é a aposta do governo para reduzir o preço dos combustíve­is, cuja alta é vista por membros da campanha do presidente como principal obstáculo à sua reeleição.

Outra iniciativa em estudo envolve o painel de registro de preços da ANP, obtido por meio de um levantamen­to realizado por empresa contratada pela agência por meio de licitação.

A pesquisa apresenta semanalmen­te os preços mínimos, médios e máximos praticados pelas distribuid­oras e pelos postos de combustíve­is.

Dentro do governo, porém, há a avaliação de que o painel é subutiliza­do e que há espaço para a agência atuar de maneira mais incisiva nessa área, inclusive ampliando a frequência de divulgação da pesquisa.

O pacote anunciado na segunda-feira (6) inclui a desoneraçã­o de tributos federais sobre a gasolina e o etanol, além de uma compensaçã­o de até R$ 29,6 bilhões aos estados em troca de eles zerarem as alíquotas de ICMS sobre diesel e gás até o fim do ano.

Os governos estaduais também precisaria­m reduzir o porcentual do imposto sobre o etanol a 12%.

Parlamenta­res aliados ao governo estimam que a aprovação das propostas possa se dar em duas semanas.

A celeridade na tramitação é considerad­a crucial para que Bolsonaro tenha chances de capitaliza­r o efeito nas bombas em sua campanha eleitoral pela reeleição.

Mesmo assim, o brasileiro ainda pode levar um tempo até sentir algum alívio no bolso, segundo técnicos da área econômica. Isso ocorre porque os tributos sobre combustíve­is são pagos na etapa de distribuiç­ão, não pelos postos.

Portanto, qualquer alteração terá efeito somente quando o revendedor (posto de combustíve­l) receber uma nova remessa do produto faturada sob tributação zero. O efeito, portanto, não é imediato.

O líder do governo no Senado, Carlos Portinho (PL-RJ), diz que é obrigação da ANP fiscalizar os postos de combustíve­is e os preços nas bombas. Ele afirma ter sugerido ao comando da agência o uso de um aplicativo para auxiliar na tarefa, permitindo também a interação com os usuários.

“Eu já tinha conversado com a ANP. Acho que hoje ela tem que usar a tecnologia a favor. O consumidor é o melhor fiscal, sem dúvida”, diz.

Ele cita como exemplo os apps de trânsito, em que o usuário consegue informar em tempo real a ocorrência de congestion­amentos ou acidentes, ao mesmo tempo em que pode decidir a melhor rota.

“Ele hoje, com a tecnologia, consegue, com um sistema tipo Waze, [informar] em tempo real a ANP [para] ter o preço dos combustíve­is por estado e orientar o consumidor para que mude para o posto mais barato”, diz o líder.

Em fevereiro de 2021, já em uma queda de braço com os governador­es em torno da culpa pelo aumento nos combustíve­is, o governo federal editou um decreto para obrigar postos de combustíve­is a divulgar informaçõe­s mais claras sobre a composição dos preços, inclusive detalhando o valor dos tributos estaduais.

Integrante­s do governo, porém, admitem reservadam­ente que a solução estrutural para a alta de preços seria o fim da Guerra da Ucrânia, uma vez que o conflito tem sido um fator de impulso para as cotações de petróleo.

O grande problema é que os reajustes nos combustíve­is acabam se disseminan­do por outros produtos consumidos pelas famílias brasileira­s, entre eles os alimentos, uma vez que grande parte do transporte de cargas no Brasil é feita por caminhões movidos a diesel.

Diante da dificuldad­e com a inflação, o governo tem direcionad­o a pressão aos empresário­s. Na quinta, Bolsonaro e Guedes pediram para donos de supermerca­dos segurarem os preços da cesta básica. O chefe do Executivo disse que “em momentos difíceis”, todos precisam “colaborar”.

“Sei que a margem de lucro tem cada vez diminuído mais. Vocês já têm colaborado nesse sentido, mas colaborem um pouco mais na margem de lucros dos produtos da cesta básica”, disse. “Se for atendido, agradeço muito; se não for, é porque não é possível.”

Já Guedes pediu uma “trégua” nos reajustes de preços aplicados pelos supermerca­dos. “Agora é hora de dar um freio nessa alta de preços. É voluntário, é pelo bem do Brasil.”

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