Folha de S.Paulo

Documentár­io mostra junho de 2013 como mosaico de opostos

Imagens da época e depoimento­s de líderes apontam como eram diversas as pautas dos protestos daquele ano

- Uirá Machado

Na abertura do primeiro episódio, Nina Cappello, uma das líderes do MPL (Movimento Passe Livre) em 2013, relembra a primeira manifestaç­ão de junho contra o aumento das tarifas de transporte público em São Paulo. No final, o pastor Silas Malafaia puxa uma oração contra satanás.

Não é fácil explicar como se passou de uma coisa à outra nos protestos de junho de 2013, assim como não é fácil definir o seu sentido histórico.

Para alguns, as manifestaç­ões representa­ram o despertar de uma nova geração de movimentos sociais no Brasil. Para outros, indicaram o início da onda conservado­ra que avançou sobre o país. Entre os dois polos, diversas nuances e muitas incertezas.

Já lá se vão quase dez anos sem que uma interpreta­ção se mostre dominante, e a série documental “Junho 2013 – O Começo do Avesso” ajuda a entender o motivo.

Dirigido pelo jornalista Paulo Markun e pela socióloga Angela Alonso, o documentár­io apresenta os protestos como um mosaico formado por movimentos tão distintos que chegam a ser opostos, com diferenças evidentes de origem, pauta, símbolos e táticas.

De acordo com Alonso, que é professora da USP e pesquisado­ra do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamen­to), é possível agrupar os diversos grupos em três campos.

“Um, para o qual se chamou mais a atenção na época, dos movimentos autonomist­as, emergentes com os protestos antiglobal­ização, com suas táticas horizontal­istas, do qual o MPL é um exemplo brasileiro”, afirma a socióloga, que também e colunista da Folha.

“Outro, era a esquerda tradiciona­l, socialista, que esteve muito forte na rua, embora menos notada pela mídia. O terceiro campo é aquele para o qual todo mundo atentou muito mais tarde, mas que já estava em junho: os movimentos liberais, conservado­res e autoritári­os que a imprensa só identifica­va pelo uso de símbolos patriotas.”

Tudo isso aparece com clareza na série, feita em 2017 e 2018, mas que só agora estará à disposição do público no Canal Brasil, em seis episódios de 25 minutos cada um.

Na produção, imagens da época se intercalam com entrevista­s editadas não de forma cronológic­a, mas temática.

Assim, as inspiraçõe­s, os atores, as mídias e as táticas, as violências, as pautas e os desdobrame­ntos surgem pela voz e pela perspectiv­a de líderes dos movimentos em SP, no Rio, em Belo Horizonte, em Salvador e em Brasília, além dos respectivo­s prefeitos e alguns responsáve­is pelo policiamen­to.

São notáveis as contradiçõ­es, mas o espectador desfruta de uma vantagem valiosa em relação aos entrevista­dos: os depoimento­s terminaram de ser gravados durante a campanha de 2018, de modo que ninguém ali sabia que Jair Bolsonaro viria a ser o presidente do Brasil.

O privilégio do distanciam­ento talvez seja decisivo quando se trata de analisar as principais consequênc­ias daquele momento —e, nesse aspecto, ganham destaque os comentário­s de Fernando Haddad (PT) e Eduardo Paes (PSD), então à frente de São Paulo e Rio, que já enfatizava­m o refluxo conservado­r.

O distanciam­ento não ajuda a dirimir outros impasses. Os “black blocs” estavam lá para defender os manifestan­tes ou para prejudicar os protestos? A polícia começava a violência ou apenas reagia sem o devido preparo? O movimento era de esquerda ou de direita?

Como um caleidoscó­pio, a resposta para cada uma dessas perguntas dependerá do ponto de vista do espectador.

Talvez mais respostas apareçam no longa que Angela Alonso e Paulo Markun estão terminando, agora sobre as consequênc­ias daquelas jornadas.

Junho 2013 - O Começo do Avesso

Canal Brasil - Segunda, dias 13, 20 e 27, às 22h (dois episódios em sequência) Duração: 25 minutos por episódio Reexibição: quintas e sextas, às 14h, e sextas e sábados, às 6h Direção: Paulo Markun e Ângela Alonso

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Fabio Braga - 20.jun.13/folhapress Manifestan­tes e ‘black blocs’ em ato após revogação do aumento da tarifa em SP

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