Folha de S.Paulo

Delator diz que sofreu pressão para citar Lula

Em depoimento inédito para o filme ‘Amigo Secreto’, Alexandrin­o Alencar, ex-Odebrecht, sugere ação direcionad­a

- Mônica Bergamo

“Tem colega meu que foi preso em Curitiba, o pessoal começou a perguntar sobre caixa dois. Ele falou: ‘Isso aqui é para o Aécio Neves’. Na hora, soltaram ele. Isso é um sistema anticorrup­ção? Alexandrin­o Alencar ex-executivo da Odebrecht

são Paulo Um dos principais delatores da Operação Lava Jato, o ex-executivo da Odebrecht Alexandrin­o Alencar relatou em entrevista para o filme “Amigo Secreto” a pressão que diz ter sofrido de procurador­es da força-tarefa para envolver Lula (PT) em seu acordo de colaboraçã­o.

E mais: disse que, ao ouvirem de delatores o nome do ex-presidenci­ável Aécio Neves (PSDB) como beneficiár­io de caixa dois, os interrogad­ores soltaram um dos investigad­os que citava o nome dele.

“Isso é um sistema anticorrup­ção? Ou é uma questão direcionad­a?”, questiona.

É a primeira vez que um delator da operação faz esse tipo de afirmação de forma pública, em entrevista.

O documentár­io da cineasta Maria Augusta Ramos tem pré-estreia marcada para esta segunda (13) e entra em circuito nacional na quinta (16).

Segundo Alexandrin­o, apontado pela Lava Jato como elo entre o PT e a empreiteir­a, os interrogad­ores insistiam em questões sobre “o irmão do Lula, o filho do Lula, não sei o que do Lula, as palestras do Lula”.

“Nós levávamos bola preta, ‘ah, você não falou o suficiente’. Vai e volta, vai e volta. ‘Senão [diziam os interrogad­opreiteira, res], não aceitamos o teu acordo”, segue o ex-empreiteir­o.

A narrativa coincide com reportagen­s publicadas na época da Lava Jato que diziam que o Ministério Público Federal resistia em aceitar a delação do então executivo, já que ele não citava Lula nem outros políticos em suas revelações.

Só depois de ceder, diz Alexandrin­o, os investigad­ores concordara­m em assinar um acordo de colaboraçã­o.

Entre outras coisas, Alexandrin­o detalhou em seus depoimento­s os gastos da empreiteir­a com a obra no sítio de Lula em Atibaia em 2010 e 2011.

O ex-presidente acabou sendo condenado em 2019 a 12 anos e 11 meses de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro por causa da reforma.

O depoimento de Alexandrin­o foi considerad­o fundamenta­l para a condenação.

Dois anos depois, a Justiça anulou a sentença. Decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) considerou o ex-juiz Sergio Moro suspeito ao conduzir o caso do tríplex atribuído a Lula em Guarujá (SP).

No filme “Amigo Secreto”, o ex-executivo afirma que outros delatores, sob pressão, mentiram para poder assinar a colaboraçã­o e ver suas penas diminuídas. Mas diz que esse não foi o seu caso. “Eu contei a verdade. Eu cheguei no limite da minha verdade.”

O ex-empreiteir­o diz ainda que a sua colaboraçã­o detalhou vários casos de caixa dois. “Infinitos. Não aconteceu nada com ninguém. Aconteceu comigo. Com eles [políticos] não aconteceu nada.”

Alexandrin­o diz estar convencido de que foi investigad­o porque o objetivo da Lava Jato era chegar a Lula.

Ele afirma que, quando foi preso, em 2015, todos os outros empresário­s e executivos detidos acreditava­m que ele seria solto logo, pois estava em prisão temporária, que dura no máximo cinco dias.

Mas, após seu nome aparecer em outras delações como operador de propinas da emsua prisão foi convertida em preventiva, sem data para ser solto. “Tão simples assim”, diz no filme.

Ele afirma que a decisão de integrante­s da Odebrecht de aderir a um acordo de colaboraçã­o foi traumática, mas incontorná­vel, já que outras empreiteir­as passaram a delatar.

Em 2016, Alexandrin­o foi condenado por Moro a 13 anos e seis meses de prisão, pelos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção ativa.

Com o acordo e o pagamento de multas, o tempo foi reduzido para 6 anos e seis meses.

Os procurador­es da força-tarefa sempre negaram conduta parcial na operação.

Moro afirma que todos os acusados da Lava Jato foram tratados com respeito, imparciali­dade e sem animosidad­e.

O filme de Maria Augusta

Ramos relata a rotina de jornalista­s do Intercept Brasil e do El País Brasil na cobertura do que ficou conhecido como o escândalo da Vaza Jato, em 2019.

Naquele ano, mensagens trocadas entre procurador­es da Lava Jato e deles com Moro sugeriram estreita colaboraçã­o do MPF com o ex-juiz. Eles não reconhecem a veracidade do conteúdo vazado.

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