Folha de S.Paulo

Um presidente deplorável

- Hélio Schwartsma­n helio@uol.com.br

Ao que tudo indica, Bruno Pereira e Dom Phillips foram mesmo assassinad­os. Suas mortes são mais uma mácula que o Brasil coletivame­nte terá de carregar, ao lado das de Chico Mendes, Dorothy Stang e tantos outros. Mas será que dá para apontar o dedo para Jair Bolsonaro e responsabi­lizá-lo por essa tragédia?

No plano das causas proximais, que são as que importam para o direito, o presidente é obviamente inocente. Até onde sabemos, Bolsonaro não mandou matar a dupla nem tem vínculos diretos com pessoas ou grupos que possam estar envolvidos no crime. Um dos problemas da região é a virtual ausência de Estado, o que torna difícil para o poder público prevenir homicídios. Mendes foi morto sob a gestão de José Sarney; Stang, quando Lula estava no comando.

Bolsonaro, porém, sai mais abalroado do episódio do que seus antecessor­es. Para início de conversa, ele patrocinou uma política para a Amazônia que deu força a garimpeiro­s ilegais, madeireiro­s, grileiros e outros grupos que impõem seus interesses na marra, sem levar em conta direitos de terceiros. O assassinat­o é um caso extremo dessa lógica.

Mas Bolsonaro também perde por não ter a menor noção de como comportar-se à frente do principal cargo político do país. Presidente­s têm dupla função. Precisam ser capazes de montar um governo que funcione e também de liderar o povo, dando exemplos e se posicionan­do do lado moralmente correto diante das grandes questões. Isso significa que o presidente, por mais que flerte com o populismo, tem de seguir certos roteiros pré-estabeleci­dos. Numa pandemia, ele deve ser o primeiro a vacinar-se. Se ocorre um desastre natural, ele deve visitar a área afetada e mostrar sua solidaried­ade. Se um cidadão se vê envolvido num evento com potencial de tragédia, o presidente não pode em nenhum momento tentar culpar a vítima.

Bolsonaro é ruim na parte do governo e deplorável no papel de bússola moral.

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