Folha de S.Paulo

A ararinha-azul e o Estado

Salvação da espécie é exemplo eloquente de parceria com a iniciativa privada

- José Olympio Pereira Presidente da Fundação Bienal de São Paulo, é membro do Conselho da SOS Mata Atlântica e ornitólogo amador

Imortaliza­da pelo filme “Rio”, animação do diretor brasileiro Carlos Saldanha, a ararinha-azul (ou Cyanopsitt­a spixii) é a menor das ararasazui­s brasileira­s. Seu habitat original é a caatinga nordestina.

A ararinha-azul foi considerad­a extinta na natureza desde 2000, quando um exemplar macho foi visto pela última vez. Sua extinção é atribuída à destruição de seu habitat e, principalm­ente, à captura pelo tráfico de animais silvestres, que a comerciali­za para colecionad­ores de aves ao redor do mundo.

Em 2012, o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservaçã­o da Biodiversi­dade) criou o Plano de Ação Nacional para a Conservaçã­o da Ararinha-Azul, que descreveu a espécie, seu bioma, seu histórico e estabelece­u um plano para recuperá-la na natureza. Na ocasião, existiam em cativeiro 79 exemplares, dos quais 60 estavam no Qatar, no Al Wabra Wildlife Preservati­on (AWWP), e 7 na Alemanha, na Associação para a Conservaçã­o de Papagaios Ameaçados (ACTP), em Berlim.

O AWWP era uma instituiçã­o privada, criada pelo sheik Saud Al Thani para reproduzir animais ameaçados de extinção. O sheik Saud adquiriu suas ararinhas de colecionad­ores de aves e montou uma equipe técnica de alto nível, obtendo grande sucesso na reprodução das aves. Em 2014, após a sua morte, a ACTP adquiriu as ararinhas da AWWP e contratou sua equipe, transferin­do-a para Berlim.

A ACTP obteve enorme sucesso na reprodução das aves. Além de sua unidade em Berlim, ela engajou outros criadores na Europa e no Brasil, que receberam ararinhas e as reproduzir­am. Hoje estima-se que a população total de ararinhas-azuis esteja em torno de 300 exemplares. O aumento da população e sua diversidad­e genética nos dá esperança de que a espécie, embora ainda em cativeiro, esteja salva da extinção.

Com o objetivo de reintroduz­ir as aves na natureza, a ACTP levantou recursos com parceiros na Europa, comprou grandes áreas em torno de Curaçá, no interior da Bahia, habitat original das ararinhas, e construiu ali um centro para reprodução e soltura das aves. Em 2020, trouxe para o Brasil 50 espécimes, que foram acomodadas no centro, onde parte da equipe técnica de Berlim também se instalou.

A soltura das aves será feita em etapas, no correr do tempo. A primeira foi no último sábado (11), quando oito aves foram liberadas para de novo voar no seu habitat natural. A experiênci­a com este primeiro grupo gerará lições preciosas para as próximas solturas. O grande acontecime­nto que todos aguardam é a reprodução das ararinhas soltas na natureza.

O plano criado em 2012 não teria tido êxito sem o engajament­o da ACTP, que ao longo desse processo esteve de braços dados com o ICMBio.

A história da salvação da ararinhaaz­ul é, a meu ver, um exemplo eloquente de como a iniciativa privada pode trabalhar em parceria com o setor público —no caso, o ICMBio— para alcançar um objetivo comum. O Estado não tem a mesma capacidade e agilidade do setor privado para investir ou realizar. O trabalho conjunto dos setores público e privado é capaz de criar melhores condições para vencermos os desafios que se colocam para o Brasil.

[ A soltura das aves será feita em etapas, no correr do tempo. A primeira foi no último sábado (11), quando oito aves foram liberadas para de novo voar no seu habitat natural. A experiênci­a com este primeiro grupo gerará lições preciosas para as próximas solturas. O grande acontecime­nto que todos aguardam é a reprodução das ararinhas soltas na natureza

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