Folha de S.Paulo

Relatórios apontam ataques a tiros e omissão da Funai no Vale do Javari

- Rosiene Carvalho

MANAUS A terra indígena do Vale do Javari, onde desaparece­ram o indigenist­a Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips, foi cenário de invasões de pescadores armados, ataques com tiros a indígenas, além da saída de pesca e caça ilegal.

As denúncias constam em seis ofícios entregues pela Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari) entre fevereiro e maio deste ano ao Ministério Público Federal do Amazonas, Polícia Federal, Força Nacional de Segurança Pública e à Funai (Fundação Nacional do Índio).

Os documentos, disponibil­izados pela Univaja à imprensa no sábado (11), relatam o crescente clima de tensão na equipe de vigilância da organizaçã­o, composta por indígenas e não-indígenas.

Desde outubro de 2021, eles passaram a fazer a fiscalizaç­ão da área por conta própria diante do que consideram omissão da Funai, órgão que tem uma base na região e deveria fiscalizar e evitar atos ilícitos nas terras indígenas.

Nos ofícios entregues em 12 de abril e 10 de maio deste ano, há o relato de pesca irregular dentro do Vale do Javari e próximo à aldeia de indígenas da etnia Korubo.

Essa proximidad­e de indígenas de recente contato teria ocorrido em março deste ano e envolve o nome de Amarildo da Costa de Oliveira, , 41, o Pelado, até o momento único suspeito do desparecim­ento do jornalista e do indigenist­a.

Nos ofícios, a Univaja atribui a ele a autoria de “diverSe sos atentados com arma de fogo contra a base da Funai entre 2018 e 2019”. No mesmo ofício de 12 de abril, a Univaja informa à representa­ção local da Funai sobre a troca de tiros entre a equipe de vigilância da entidade e pescadores. O episódio ocorreu há cerca de dois meses.

Na noite do dia 2 de abril, a equipe se deparou no rio Itaquaí com três pescadores saindo da terra indígena com camisas no rosto e direcionou holofotes na direção deles.

“Os infratores reagem atirando sete vezes com espingarda contra a equipe da EVU (Equipe de Vigilância da Univaja), que recua ao ver eles entrando no igapó da margem esquerda do Itaquaí”, diz trecho do relato no ofício.

Os indígenas tentaram acionar a base de proteção da Funai e, segundo o ofício, não houve autorizaçã­o para que equipes do órgão federal se deslocasse­m até o local.

Ainda segundo informaçõe­s da Univaja, no dia 4 de abril, o coordenado­r da Operação Vale do Javari da Força Nacional de Segurança Pública, que não é identifica­do no documento, alegou que a base contava com apenas dois policiais e tinha “carência de equipament­os logísticos na embarcação à disposição da Funai, sobretudo holofotes”.

Nos ofícios, há ainda informaçõe­s de invasores que praticavam pesca ilegal na terra indígena passaram pelo território nos dias 15, 18 e 23 março e passaram pela frente da base de fiscalizaç­ão da Funai sem serem abordados.

Ainda segundo os relatos da Univaja, nos dias que se seguiam aos registros destas invasões, o mercado ilegal de comerciali­zação de peixe ficava abastecido na sede do município de Atalaia do Norte.

No único registro de apreensão da pesca e caça irregular na terra indígena, segundo os ofícios, o veículo que foi usado para cometer o crime sumiu durante a madrugada na balsa da Prefeitura de Atalaia do Norte após ser deixado pela Polícia Civil no local.

A apreensão ocorreu no dia 23 de março e, segundo a Univaja, foram apreendido­s 25 tracajás (uma espécie de cágado), duas tartarugas, 300 kg de carne de queixada salgada e 400 kg de carne de pirarucu salgado. Os animais foram devolvidos pelos policiais à terra indígena.

A Folha questionou o Ministério Público Federal, Polícia Federal e Funai sobre as denúncias da Univaja. Os dois últimos não respondera­m.

O MPF-AM informou que no “início do mês de junho” foi aberto um inquérito policial para apurar os crimes praticados por invasores, a partir das informaçõe­s de invasões da Univaja. O caso está sob a responsabi­lidade da Polícia Federal e a investigaç­ão corre em sigilo. Também informou que abriu um procedimen­to administra­tivo interno para acompanhar o trabalho da Univaja na terra indígena.

A terra indígena Vale do Javari é a segunda maior demarcada do país, com 8,5 milhões de hectares e cerca 6,3 mil indígenas, incluindo a maior população de indígenas não contatados do mundo.

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