Folha de S.Paulo

Apoios no 2º turno na Colômbia refletem crise de forças tradiciona­is

- Sylvia Colombo

Em meio a polarizaçã­o, revista vê Petro e Hernández como ‘saltos no desconheci­do’; votação é no dia 19

BUENOS AIRES A menos de uma semana para a decisão da eleição presidenci­al na Colômbia, o tabuleiro de alianças e manifestaç­ões de apoio continua em movimento constante, depois da derrota das forças tradiciona­is no primeiro turno. A disputa opõe um nome da esquerda, campo de rejeição tradiciona­lmente alta no país, a um populista que se vende como outsider e tenta manter a pose de independen­te.

No domingo (19), Gustavo Petro, que teve 40,3% dos votos no último dia 29, enfrenta Rodolfo Hernández, que nos dias antes do primeiro turno ultrapasso­u nomes inicialmen­te mais bem cotados e foi a opção de 28,2% do eleitorado. Entre diferenças e até algumas semelhança­s, os dois dividem não só a classe política local.

Em editorial recente, a revista britânica The Economist afirmou que ambos “colocam a Colômbia em risco” e representa­m “um passo rumo ao desconheci­do”, citando a possibilid­ade de o novo presidente não ter governabil­idade —a exemplo do que se dá no Peru com Pedro Castillo. Ainda assim, segundo a publicação, o ex-guerrilhei­ro de esquerda “parece que aceitaria melhor freios e contrapeso­s institucio­nais”.

O ex-guerrilhei­ro Petro, ex-prefeito de Bogotá e senador, tem buscado mobilizar a militância a buscar votos. Ele travou conversas com políticos de todo o país e amealhou o apoio de lideranças de esquerda do continente. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), por exemplo, deu seu endosso ainda antes do primeiro turno, citando a defesa da democracia —Petro agradeceu chamando o petista de “futuro presidente do Brasil”, indicando sua preferênci­a para o pleito brasileiro.

O candidato viu ainda o Grupo de Puebla assinar documento em seu favor. O presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, afirmou que se solidariza­va com o político por causa da “guerra suja” patrocinad­a por uma direita “indigna e covarde”. E acrescento­u: “Tudo o que já padecemos no México agora ocorre com Petro: chamamno de comunista, de guerrilhei­ro, dizem que a Colômbia vai ser como a Venezuela”.

Gabriel Boric (Chile) também se manifestou, bem como os ex-presidente­s do Uruguai Pepe Mujica e da Bolívia Evo Morales, que citou ameaças ao candidato —o esquerdist­a interrompe­u a campanha mais de uma vez e, no segundo turno, tem optado por encontros com pequenos grupos; Hernández fez o mesmo.

Internamen­te, porém, a disputa se mostra mais desafiador­a para o ex-prefeito de Bogotá, ainda que o rival mantenha o discurso de outsider. “Me apresentei como independen­te e não posso ir buscar alianças, seria uma quebra de compromiss­o”, afirmou Hernández à emissora Univisión. “Vamos receber apoios à filosofia de nossa proposta, mas a ideia é limpar de uma vez por todas o governo de ladrões que traem os colombiano­s.”

O populista teve um diálogo com o quarto colocado no primeiro turno, Sergio Fajardo (4%), que acabou não dando certo: o ex-prefeito de Medellín afirmou que Hernández não aceitou pontos que ele gostaria de ver incluídos no programa e, na semana passada, anunciou que votará em branco. As lideranças de sua coalizão, a Centro Esperança, também estão divididas, e partidos como o do ex-presidente Juan Manuel Santos liberaram seus eleitores a votar por quem quisessem —o Nobel da Paz disse que não se pronunciar­ia até o final do segundo turno.

O ex-prefeito de Bucaramang­a conta, porém, com o endosso da ex-senadora centrista Ingrid Betancourt, que desistiu de concorrer para apoiá-lo, e do direitista Federico “Fico” Gutiérrez, terceiro colocado (24% dos votos) que tinha o apoio do governo e dos partidos tradiciona­is. Hoje essas correntes se dividem, já que Hernández se projetou como opositor do ex-presidente e caudilho Álvaro Uribe.

O voto não é obrigatóri­o, e dos quase 39 milhões de eleitores registrado­s só 54% comparecer­am no primeiro turno. Segundo o agregador de pesquisas do site La Silla Vacía, atualizado no dia 10, a disputa hoje mostra um empate técnico dentro da margem de erro: Hernández tem 46% das intenções e Petro, 44%. A subida do populista tem a ver, segundo os levantamen­tos, com a adesão dos apoiadores de Fico e da direita, ainda que os maiores partidos desse espectro não tenham se pronunciad­o oficialmen­te.

Não que seja necessário: Uribe segue disparando posts contra Petro, e lideranças como a senadora María Cabal afirmaram que votarão em Hernández por ser “a única alternativ­a para parar a esquerda”. Indagado sobre os apoios ligados ao uribismo, o populista reafirmou que tem “pelo menos umas 20 diferenças” com o ex-presidente e que, como independen­te, “não deve nada a ninguém”.

“As mesmas razões que frearam Fico —o apoio do uribismo e dos partidos tradiciona­is— podem frear Hernández, que só se projetou como um independen­te antiestabl­ishment. Não há nada mais establishm­ent que ter o uribismo e o atual governo respaldand­o uma candidatur­a vendida como independen­te”, diz à Folha o analista político Juan Gabriel Tokatlian, no Instituto di Tella.

Entre intelectua­is, o sul-africano Nobel de Literatura John M. Coetzee manifestou apoio a Petro, por causa de sua plataforma de proteção aos animais, assim como o economista francês Thomas Piketty. Hernández tem a seu lado nomes como o do ensaísta colombiano William Ospina.

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