Folha de S.Paulo

Bachelet diz que não buscará novo mandato como comissária de direitos humanos da ONU

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Genebra | reuters e aFp A chilena Michelle Bachelet, 70, alta comissária para direitos humanos da ONU, afirmou nesta segunda-feira (13), em um anúncio surpresa, que não disputará mais um mandato à frente do cargo.

O anúncio foi feito durante o início da 50ª sessão do Conselho de Direitos Humanos, em Genebra, e chega poucas semanas após Bachelet retornar de uma visita à China —a primeira de um alto comissário em pelo menos 15 anos—, pela qual foi alvo de críticas de especialis­tas, ONGs e ativistas de direitos humanos.

Ela, que também é ex-presidente do Chile, foi ao país liderado por Xi Jinping para, entre outras coisas, acompanhar a situação em Xinjiang, província de 1,6 milhão de km² onde o regime chinês é acusado de reprimir e encarcerar a minoria muçulmana uigur.

Ao retornar da visita, Bachelet, frustrando expectativ­as, afirmou que sua presença no país asiático não havia configurad­o uma investigaç­ão. Ela tampouco divulgou um relatório sobre a situação local, que já estaria pronto e cujo anúncio é reivindica­do por ONGs.

“Como meu mandato de alta comissária chega ao fim, a 50ª sessão do Conselho será a última em que me expresso”, disse a chilena, que não forneceu razões para deixar o cargo. Seu nome era cotado como um dos possíveis para substituir o português António Guterres como secretário-geral das Nações Unidas.

Sobre a China, afirmou que seu escritório trabalha numa avaliação sobre Xinjiang e que o conteúdo seria compartilh­ado com o regime de Xi antes de ser disponibil­izado ao público. Nenhum cronograma foi fornecido. Ativistas acusam Bachelet de ter discurso menos crítico em relação a Pequim do que a outras nações em que há violação maciça de direitos humanos, como Mianmar, também na Ásia.

Formada em medicina, Bachelet começou seu ativismo político durante a ditadura do general Augusto Pinochet (1973-1990). O pai da chilena foi morto pelo regime, e ela e sua mãe também foram detidas e torturadas. Bachelet chegou a se exilar, primeiro na Austrália e depois na Alemanha Oriental. Ela cumpriu dois mandatos presidenci­ais: de 2006 a 2010 e de 2014 a 2018.

A pressão em torno de sua postura frente ao regime chinês cresceu na sexta (10), quando 42 relatores especiais da ONU, em comunicado conjunto, pediram uma mudança de postura das autoridade­s chinesas e mandaram recados à alta comissária. Os especialis­tas dizem reconhecer a importânci­a do diálogo construtiv­o de Bachelet com o regime da China, mas salientam que esse compromiss­o não substitui a “urgente necessidad­e de uma avaliação completa da situação dos direitos humanos no país, especialme­nte nas regiões de Xinjiang, Tibete e Hong Kong”.

Os Estados Unidos também já haviam se manifestad­o sobre o assunto, alegando estarem preocupado­s com o “silêncio da alta comissária frente à indiscutív­el evidência de atrocidade­s em Xinjiang”.

Ainda durante sua fala nesta segunda, Bachelet mencionou extensa lista de violações de direitos humanos ao redor do mundo. Entre outros, lembrou as prisões de cidadãos da Rússia que se manifestam contra a Guerra da Ucrânia e o cerceament­o da liberdade de imprensa no país de Vladimir Putin. “Lamento o aumento da censura e as restrições aos meios de comunicaçã­o independen­tes.”

Bachelet mencionou os recentes golpes de Estado na África —só no ano passado, Chade, Mali, Guiné e Sudão observaram a tomada inconstitu­cional do poder, e em 2022 Burkina Fasso se juntou à lista.

O Brasil também esteve presente no discurso da alta comissária. Bachelet disse que as ameaças aos defensores dos direitos humanos e do ambiente são alarmantes e citou casos recentes de violência policial e racismo estrutural. “Apelo às autoridade­s para que assegurem o respeito pelos direitos fundamenta­is e as instituiçõ­es independen­tes.” Bachelet foi indicada ao cargo de alta comissária de direitos humanos da ONU em 2018.

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