Folha de S.Paulo

Sobre futebol e amor

Palmeiras sobra no Brasileiro; na arquibanca­da, Morumbi ensina amor

- Renata Mendonça Jornalista, comenta na Globo e é cofundador­a do Dibradoras, canal sobre mulheres no esporte

No futebol dentro de campo, ninguém supera o Palmeiras, que tem o futebol condizente com a sua posição na tabela: líder. Após mais uma rodada em que os outros dois apontados como principais postulante­s ao título tropeçaram (o Flamengo perdeu para o Inter no Beira-Rio, e o Atlético-MG empatou com o Santos em casa), o time comandado por Abel Ferreira segue no seu melhor momento desde que o português chegou.

É verdade que ele já chegou conquistan­do Libertador­es e Copa do Brasil e repetiu o feito como bicampeão da América no mesmo ano. Mas eu me surpreende­ria demais se esse Palmeiras que vemos agora não conquistar nenhum título ao final desta temporada —além dos que já conquistou, o Paulista e a Recopa. Isso porque o futebol de agora é ainda mais consistent­e do que o de antes.

Em 2021, o Palmeiras tinha dificuldad­e para, num campeonato de pontos corridos, impor o mesmo ritmo em todos os jogos que costumava impor nas partidas de mata-mata da Libertador­es, por exemplo. Neste ano, apesar de ter passado os três primeiros jogos do campeonato sem vencer (contra Ceará em casa e Goiás e Flamengo fora), engatou uma sequência impression­ante em seguida —nos últimos seis jogos, foram 12 gols feitos e nenhum sofrido.

É muito difícil fazer gol nesse Palmeiras (só três times conseguira­m até aqui, Ceará, Goiás e Fluminense). É muito difícil não tomar gol desse Palmeiras (em 11 jogos do Brasileiro, só Flamengo e Atlético-MG não levaram). Mesmo sem dois de seus pilares nos últimos jogos —Gustavo Gómez na zaga e Raphael Veiga no meiocampo—, o time seguiu muito seguro na defesa e mortal no ataque.

E se alguém disser que esse Palmeiras não tem repertório, é porque não está vendo os jogos. Na saída de três, Marcos Rocha é essencial na construção pela direita, que sempre tem Dudu e Veiga ou Scarpa se associando muito bem —e é nessa trama que saem boa parte dos gols (seis dos 18 no Brasileiro). A bola parada é uma arma muito bem utilizada e com muitas variações (incluindo o tão criticado “escanteio curto”, como foi contra o Coritiba) —foi responsáve­l por 10 dos 18 gols no campeonato. E também tem contra-ataque de almanaque, como foi o puxado por Zé Rafael que originou o gol de Rony no Couto Pereira.

O camisa 10, inclusive, está na sua fase mais artilheira desde que chegou ao Palmeiras. Veiga já igualou o número de gols de 2021, só que precisou de bem menos jogos pra isso, e quase dobrou o número de assistênci­as. Scarpa, o líder de passes pra gol em 2021, agora faz o torcedor palmeirens­e ficar tranquilo, mesmo com Veiga machucado. Alguém vai conseguir parar esse time?

Amor e futebol

O futebol fora do campo também deu lições importante­s no último fim de semana. A popular “câmera do beijo” rondou os estádios para celebrar o Dia dos Namorados e, no Morumbi, flagrou uma cena marcante: o beijo entre duas mulheres exibido no intervalo do jogo entre São Paulo e América na TV Globo de São Paulo.

Pra uma sociedade que diz que futebol é pra homem e que insiste em querer impor apenas uma forma de amor, o recado estava dado. A transmissã­o do futebol em rede nacional comandada por uma mulher (Renata Silveira) exibia a cena que deixava claro: errado mesmo é não amar.

A imagem é simbólica porque gays e lésbicas que frequentam estádios sabem o medo que os ronda. Qualquer manifestaç­ão de carinho pode torná-los alvo de violência. O beijo lésbico exibido entre tantos outros beijos de casais heterossex­uais na transmissã­o da TV ajudam a naturaliza­r o que muitos ainda estranham e condenam.

Como bem definiu Casagrande: “Não existe amor se não tem liberdade. E a liberdade também não vai existir se não tiver amor. O amor não tem gênero, não tem cor, não tem raça, não tem classe social. Amor é amor e pronto”.

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