Neurocientista explica impactos de hábitos e de uso de substâncias no sono
“O sono é um processo necessário, não é opcional”, afirma o neurocientista Andrei Mayer, professor do Departamento de Ciências Fisiológicas da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e apresentador do podcast A Culpa é do Cérebro.
Com o estresse do dia a dia e hábitos que prejudicam o sono, é normal que esse período de descanso seja afetado. O problema é que uma noite mal dormida impacta todas as atividades do dia seguinte.
“Um adulto precisa dormir de sete a nove horas por noite. Essa história de que dormir apenas cinco horas é o suficiente é balela”, diz Mayer.
Só que esse tempo não basta se a qualidade não for boa. É importante passar por todas as fases do processo, que incluem o sono profundo, quando há liberação de hormônios ligados ao crescimento e a restauração das células, e o sono REM, que é o período de intensa atividade cerebral quando ocorrem os sonhos e a fixação da nossa memória.
Na busca por noites melhores, muitas pessoas procuram remédios para dormir —como benzodiazepínicos (diazepam, alprazolam, midazolam) e imidazopiridinas (zolpidem)—, bebem uma dose de bebida alcóolica para relaxar ou tomam melatonina. Mas, às vezes, essas substâncias atrapalham mais do que ajudam.
O ideal, segundo o neurocientista, é mudar a rotina e incluir algumas práticas conhecidas como higiene do sono, que compreendem se expor mais à luz natural durante o dia, evitar beber café após as 15h e jantar duas horas antes de dormir.
As noites mal dormidas têm impacto a curto e a longo prazo.
Alguns dos sintomas após uma noite de insônia são dificuldade de se concentrar, humor deprimido, mau humor, ansiedade e desmotivação para qualquer atividade que exija esforço físico ou mental.
Mayer diz que o sono de má qualidade a longo prazo pode predispor a pessoa a doenças crônicas como diabetes, transtornos metabólicos, alguns tipos de câncer e Alzheimer.
“Talvez essa pessoa esteja dormindo mal por alguma condição de saúde. Pode ser um problema nas vias respiratórias que a impede de respirar adequadamente durante o sono, por exemplo. Também pode ser uma questão de saúde mental, um transtorno de ansiedade. Aí pode ser necessário fazer acompanhamento com um psicólogo”, diz.
Para o neurocientista, o uso de qualquer medicamento para dormir deve ser encarado como algo paliativo, apenas para lidar com o problema pontualmente e, claro, sempre com o acompanhamento de um médico. Ele destaca que, atualmente, nenhum fármaco é capaz de induzir um sono igual ao natural e que, para ser resolvida, a insônia exige mudança de rotina.
“É melhor do que não dormir nada? Sim. Mas na verdade ela está dormindo mal todos os dias”, alerta.
Uma das substâncias disponíveis no mercado para melhorar o sono é a melatonina, versão sintética do hormônio produzido pelo nosso próprio organismo quando a noite começa a cair e a iluminação natural diminui. Essa substância induz ao sono e pode ser produzida em laboratório, sendo vendida como suplemento alimentar.
Segundo Mayer, a melatonina sintética realmente pode ajudar a dormir melhor, mas seu efeito é muito pequeno.
Ele cita estudos de 2005 e 2013 indicam que a pessoa pode conseguir adormecer alguns minutos mais cedo, 4 no estudo de 2005 e 7 no de 2013. A eficiência do sono, no primeiro estudo, aumentou apenas 2,2%. A duração total foi 13 minutos maior na pesquisa de 2005 e oito na de 2013.
Sobre possíveis efeitos colaterais do uso da melatonina sintética, Mayer diz que não há evidência científica robusta. No entanto, ele revela que relatos de dor de cabeça, náusea, ansiedade e pesadelos são comuns.
Outro aspecto importante, ressalta, é que a quantidade de melatonina sintética que a pessoa toma é muito maior do que a que o nosso corpo produz. Além disso, nem sempre a posologia descrita na embalagem desses suplementos está correta.
Outra aposta dos insones é a bebida alcóolica, que interfere no sistema nervoso e provoca sensação de relaxamento.
Porém, apesar de deixar movimentos e fala mais lentos, o que pode facilitar para adormecer, isso não quer dizer que a pessoa vai dormir bem. Pelo contrário.
“Muitos estudos mostram que o álcool afeta a estrutura do sono, o que resumidamente significa que ele piora a qualidade do sono”, relata.
Algumas mudanças de hábito simples podem ser aliadas mais garantidas. Dormir em um ambiente mais fresquinho, variando de 16°C a 20°C, por exemplo, é o ideal.
“[A temperatura do corpo] É maior durante o dia e mais baixa de madrugada. Isso quer dizer que é mais fácil a gente induzir e manter o sono em temperaturas menores”, explica o professor.
Por isso, Mayer indica escolher bem a roupa de cama e prestar atenção se o uso de pijamas mais quentes e de meias não está atrapalhando o sono.
Dividir a cama pode ser um problema. Afinal, uma pessoa ou mesmo um animal se mexem durante a noite e esquentam lençóis e travesseiros.
Como a qualidade do sono afeta o nosso humor e as nossas relações sociais, o neurocientista diz que se um casal está dormindo mal junto, é melhor considerar dormir em camas ou até em quartos separados.