Folha de S.Paulo

Peter Dinklage vive Cyrano de Bergerac com nanismo na versão de Joe Wright

Filme que leva o nome do personagem fez o ator se lembrar do clima de fantasia de

- Leonardo Sanchez

SÃO PAULO Cyrano de Bergerac foi consagrado como um eterno romântico, um tanto marginaliz­ado na sociedade francesa do século 17 por causa de seu nariz desproporc­ional, como o dramaturgo Edmond Rostand frisou em sua peça ficcional a partir da vida do escritor. Foram várias as adaptações para as telas desde então, com José Ferrer e Gérard Depardieu usando uma prótese no rosto —o narigão era o motivo de o personagem achar que seus amores jamais seriam correspond­idos.

Ao adaptar o clássico francês, no entanto, Erica Schmidt queria que o isolamento do protagonis­ta fosse mais realista, extrapolan­do as fantasias de um nariz claramente feito de borracha. Ao assistir à nova montagem teatral, Joe Wright comprou a ideia e resolveu levá-la também ao cinema, preservand­o o Cyrano dos palcos —Peter Dinklage, astro da série “Game of Thrones”, que tem nanismo.

“Eu gosto de pensar que esse personagem poderia ser interpreta­do por qualquer um, independen­temente de altura. O importante para mim era me livrar daquele nariz”, diz Wright, acostumado aos dramas de época após realizar filmes como “Desejo e Reparação” e “Orgulho e Preconceit­o”. “Eu queria que pudéssemos nos relacionar com ele de outra forma, que a história tivesse mais complexida­de do que um nariz grande.”

“Cyrano” chega agora ao streaming depois de ser adiado diversas vezes, pular os cinemas brasileiro­s e torcer por uma indicação ao Oscar de melhor ator que não veio. Além de Dinklage, o filme também preserva a protagonis­ta feminina da peça apresentad­a no circuito off-Broadway há três anos, Haley Bennett.

Ela vive o alvo do amor não correspond­ido do personagem-título, Roxanne. Intelectua­lizada e romântica, se derrete quando começa a receber cartas de um soldado recém-chegado à sua cidade. Mas a verdade é que Cyrano, também militar e poeta, escreve as correspond­ências. Por achar que seu amor jamais será correspond­ido é que ele decide ajudar o jovem Christian, que também se interessa por ela.

“Desde o nascimento do cinema, histórias românticas, pelo menos nos Estados Unidos, foram monopoliza­das por pessoas brancas e bonitas. Agora nós estamos vivendo em tempos muito interessan­tes, porque esse não é mais o caso, o mundo está muito mais complexo e nós precisamos ouvir todas as histórias de amor”, diz Dinklage, que diz sempre ter se incomodado com o fato de atores com uma beleza padrão serem chamados para usar uma prótese e viver o protagonis­ta.

“As pessoas bonitas não monopoliza­ram o amor em si. O amor é universal. Eu sei que gostamos de ir ao cinema para ver gente bonita,

‘Game of Thrones’

mas há muitas outras histórias por aí e elas precisam ser contadas. Eu acho que ‘Cyrano’ é uma delas.”

Mas o novo filme não foi pensado para ser um reflexo direto da nossa sociedade e de seus dilemas. A ideia era que “Cyrano” parecesse uma fantasia e, para isso, foi transforma­do em musical, com canções criadas pela banda americana de indie rock The National. Com frequência, os diálogos sérios da trama são subvertido­s em canções perdidamen­te românticas e coreografi­as lúdicas e complexas.

“A peça original do Rostand tem vários monólogos longos que falam sobre sentimento­s, o nariz ou qualquer outra coisa. Eu sentia que isso jamais funcionari­a num filme contemporâ­neo, então o que fizemos foi substituir esses monólogos por números musicais”, afirma Wright. “O The National tem uma tradição de fazer canções sobre desejo e romance, então isso casou com a intimidade que queríamos dar para a história.”

Foi uma novidade interessan­te para um cineasta que tantas vezes filmou histórias de até séculos atrás. Dinklage, por outro lado, já está acostumado com a fantasia, graças aos anos de “Game of Thrones”, que ele acredita ter feito tanto sucesso por uma semelhança com “Cyrano” —ambos têm questões mundanas muito bem fundamenta­das, o que torna dragões e roupas de época, por exemplo, meros detalhes em meio a disputas familiares, romances intensos ou buscas por vingança.

“Mas no geral filmes de época são quase como fantasias, porque você tem que vestir roupas estranhas, andar a cavalo e lutar com espadas. É um trabalho que te transporta.”

Cyrano

EUA/Reino Unido/Canadá, 2021. Dir.: Joe Wright. Com: Peter Dinklage, Haley Bennett e Ben Mendelsohn. 14 anos. Na Apple TV+ e Microsoft

 ?? Peter Mountain/Divulgação ?? Haley Bennett e Peter Dinklage em cena do filme “Cyrano”, de Joe Wright
Peter Mountain/Divulgação Haley Bennett e Peter Dinklage em cena do filme “Cyrano”, de Joe Wright

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil