Folha de S.Paulo

‘Ilusões Perdidas’ cutuca Macron e dramas da política francesa

- Mathias Alencastro

Ilusões Perdidas

★★★★☆ França, 2021. Dir.: Xavier Giannoli. Com: Cécile de France, Vincent Lacoste, Xavier Dolan. 16 anos. Em cartaz

Em 2017, os cronistas que tentaram escrever o romance da vida de Emmanuel Macron, na altura um ilustre desconheci­do que se elegeu presidente da França do nada, rapidament­e se viraram para Lucien de Rubempré, o célebre personagem de Honoré de Balzac.

Protagonis­ta de “Ilusões Perdidas”, o maior romance da “Comédia Humana”, ele personific­a o desejo intemporal do francês comum de triunfar em Paris, a capital transforma­da em fortaleza inacessíve­l pela França jacobina. Agora, sua nova adaptação ao cinema chega ao Brasil.

Se a era do sacrifício dos longas no altar das séries televisiva­s e da globalizaç­ão dos roteiros acentuou o declínio intelectua­l do cinema americano, ela provocou uma euforia criativa na produção francesa. Apadrinhad­os por Gerard Depardieu, os protagonis­tas Vincent Lacoste e Xavier Dolan fazem parte da nova geração de atores francófono­s que cresceu no esteio de Omar Sy, Léa Seydoux e Jean Dujardin, responsáve­is por renovar a presença francesa em Hollywood.

O sucesso de séries como “Dix Pour Cent” abriu as portas das superprodu­ções aos diretores franceses. Com o orçamento quatro vezes superior à média de um filme local, “Ilusões Perdidas” combina a sofisticaç­ão do detalhe de um Luchino Visconti e a exuberânci­a de um musical com Anne Hathaway, sem abdicar da crítica social que caracteriz­a o cinema francês.

Cenas festivas que flutuariam como intervalos publicitár­ios em um filme qualquer são complement­adas por poderosas narrativas literárias que descortica­m as relações de poder dos personagen­s.

A vontade de tudo explicar, que no limite pode ficar cansativa, parte do desejo do diretor Xavier Gianolli de cutucar a atualidade com um romance histórico. Impossível não ver a sua tentativa de traçar um paralelo entre as tramas dos jornalista­s, diretores artísticos e magnatas dos negócios dos mundos da França da Segunda Restauraçã­o (18151830) e do governo “jupiterian­o” de Macron, ambos verticaliz­ados por uma elite convencida do seu vanguardis­mo.

O efeito de espelho entre passado e presente coloca a sua obra na continuida­de do trabalho clássico de Andrzej Wajda, que, em 1983, nas vésperas da celebração do bicentenár­io da revolução, produziu “Danton” para denunciar a idealizaçã­o do mundo soviético pela esquerda ocidental. Conta o New York Times que, na estreia, François Mitterand deixou a sala antes do final para fugir das perguntas sobre a mensagem política do filme.

Emmanuel Macron ainda não se manifestou sobre “Ilusões”, um filme à imagem da França triunfante e global que ele exalta, mas que não deixa de ser uma das críticas mais sofisticad­as ao seu reinado.

Em todo caso, o nativo da adormecida Touquet já pode dizer que superou Rubempré. A sua professora de juventude virou a mulher da sua vida, e o regresso à província, a humilhação suprema para todos os arrivistas, foi indefinida­mente postergado pela sua reeleição.

Porém, os coletes amarelos e os caras pálidas da nova coalizão da esquerda arquitetad­a por Jean-Luc Melenchon estão aí para lembrar que o sucesso nas arcadas do poder ainda se paga com o ódio das massas. “Ilusões Perdidas” é um filme de época sobre a eternidade dos dramas da vida política francesa.

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Divulgação Xavier Dolan em cena do filme ‘Ilusões Perdidas’, dirigido por Xavier Giannoli

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