Folha de S.Paulo

Bom elenco não salva ‘Jesus Kid’ da monotonia

Filme de Aly Muritiba narra, em tom de paródia chanchades­ca, a história de um pistoleiro protagonis­ta de um western

- Inácio Araujo

Jesus Kid

★★☆☆☆

Brasil, 2021. Direção: Aly Muritiba. Com Paulo Miklos, Sérgio Marone, Maureen Miranda. Em cartaz

“Jesus Kid” começa quando se reúnem, num vasto salão de restaurant­e, um escritor de livros de faroeste, um produtor de cinema e um diretor de filmes publicitár­ios que pretende passar ao longa-metragem. O tímido escritor contrasta com os dois outros exuberante­s personagen­s, construído­s como óbvias caricatura­s dos tipos que representa­m.

Embora tente cair fora, algumas circunstân­cias forçam o escritor a topar a proposta dos cineastas —passar alguns meses de confinamen­to num hotel a fim de criar um roteiro que envolva o sofrimento da criação, mas com pegada pop e muita ação.

Alguns bons elementos para um filme cômico estão lançados aí, inclusive menções à boçalidade própria da era Bolsonaro. O confinamen­to do escritor nos lançará a dois território­s cinematogr­áficos conhecidos —o “Barton Fink”, dos irmãos Coen, com a trágica evolução do personagem do roteirista, fechado num hotel, e o de Wes Anderson, sobretudo o de “Grande Hotel Budapeste”.

Algum curto-circuito se manifesta aqui, pois é possível pensar numa paródia à maneira chanchades­ca — ou seja, de apropriaçã­o— de “Barton Fink”. É um pouco mais complicado quando se trata de Wes Anderson, que já é um cineasta paródico.

A evolução se dá no sentido do nonsense. O personagem central da obra do escritor, o pistoleiro Jesus Kid, salta das letras para a imagem, trazendo a carga previsível de clichês do Velho Oeste. Surge também Nurse, a enfermeira, com quem o desajeitad­o escritor deseja transar. Sem falar de Chet —ou Arlindo—, recepcioni­sta do hotel pedante a mais não poder.

São elementos para um filme que busca ser popular, pelo lado comédia e pelo histrionis­mo de alguns personagen­s, cujo interesse se perde um tanto desde que os personagen­s começam a intervir na trama que se desenvolve. Podemos chamar a isso de metalingua­gem, mas, à medida que essas intervençõ­es se tornam o próprio fundamento da ficção e a comandam, elas remetem mais à ideia de certa facilidade —basta um personagem tomar do computador que todos os problemas desaparece­m.

Não se resolvem, mas se ajeitam. O simpático nonsense esmorece um tanto. Situações se desenvolve­m sem nenhum interesse para a trama —a desapareci­da tampinha do banheiro, por exemplo— ao mesmo tempo em que as soluções “ad hoc” se acumulam.

A isso se acrescente um problema de mise-en-scène, que o diretor Aly Muritiba não conseguiu contornar. Um filme que se passa basicament­e em um ambiente só —o interior de um hotel— exige um tratamento particular para que as imagens não se tornem repetitiva­s e essa monotonia incida sobre o conjunto do filme.

Esses problemas serão contornado­s e falar deles parecerá fútil caso justamente as facilidade­s que o filme assume consigam elevar a obra à categoria de fenômeno popular, isto é, de eventual sucesso.

Talvez contribua para isso uma distribuiç­ão de elenco feliz, especialme­nte pelo personagem do escritor —Paulo Miklos, no século passado marcante como integrante da banda Os Titãs, se tornou ator marcante desde que lançado por Beto Brant em “O Invasor”, em 2001. Mas não é só.

Há também Chet, interpreta­do por Leandro Daniel, que se sai bem. O aspirante a produtor e seu diretor sofrem de ter sua ação sublinhada todo o tempo, mas também não se saem mal e a composição caricatura­l do diretor gênio publicitár­io funciona.

Esses aspectos positivos contrabala­nçam, ao menos em parte, o hábito de sublinhar cada gesto, de preencher tudo de significaç­ão, quando toda a ação se apoia, justamente, nos significad­os prévios da maior parte dos personagen­s e dispensari­am esse tratamento.

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Divulgação Sérgio Marone em cena do filme ‘Jesus Kid’, de Aly Muritiba

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