Folha de S.Paulo

Ligue para Marina, Lula

Faria bem ao PT se reaproxima­r da ex-presidenci­ável nesta eleição

- Celso Rocha de Barros Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universida­de de Oxford (Inglaterra)

Uma das melhores notícias da política brasileira recente é a reaproxima­ção de Marina Silva e da Rede Sustentabi­lidade com o PT em São Paulo. Os petistas precisam se engajar nesse processo, a começar por Lula.

Lula e o PT foram vítimas de muitas sacanagens nos últimos anos. Em outros momentos, o PT entrou em brigas em que tanto ele quanto seus adversário­s tiveram culpa. Na briga com Marina Silva, é diferente: a culpa foi do PT.

A campanha de 2014 foi muito feia, e, o que é pior, foi mentira: todas aquelas baixarias eram para acusar Marina de planejar um duríssimo ajuste econômico. Dilma ganhou e fez um duríssimo ajuste econômico.

Não me interprete­m mal, entendo perfeitame­nte que política é um esporte de contato. Político triste com o outro não entra no top 100 dos piores problemas do mundo.

Mesmo assim, será bom para o Partido dos Trabalhado­res voltar a ouvir Marina Silva. Mesmo que não dê voto.

Fará bem à alma do partido.

Marina Silva teve uma belíssima história no PT. Veio da Teologia da Libertação, lutou com os seringueir­os do Acre, lutou como oposição sindical no sindicato dos professore­s, foi do PT quando o partido não tinha um centavo para campanhas eleitorais.

Por outro lado, um dos maiores méritos do PT ao longo de sua história foi ter formado e lançado políticos como Marina Silva, que jamais teriam tido chance nos partidos tradiciona­is.

Perguntem para petistas raiz como Tarso Genro ou Patrus Ananias o que eles acham de Marina Silva. O respeito é grande.

Marina Silva é, simplesmen­te, a maior liderança ambiental da história da política brasileira. A queda do desmatamen­to na Amazônia quando Marina foi ministra de Lula é tão impression­ante quanto a queda dos índices de pobreza no mesmo período.

O Brasil era outra coisa, meu amigo. De vez em quando, você ouvia o William Bonner falando “foram divulgados hoje números...” e o que vinha depois era boa notícia.

Além disso, os ataques a Marina Silva foram sintomas de um momento em que o PT partiu para a agressivid­ade porque não sabia mais o que fazer no governo.

O superciclo das commoditie­s tinha passado, a nova matriz econômica tinha dado errado, os protestos de 2013 tinham deixado o partido desorienta­do, as alianças estavam desmoronan­do. O PT tinha perdido o rumo.

Aproximar-se de Marina Silva seria uma boa forma de mostrar que o partido quer retomar a conversa do ponto em que ela parou de ser racional.

Algum leitor petista pode protestar: Ok, a campanha de 2014 foi ruim, mas depois disso Marina nos fez oposição sistematic­amente. Filho, entre os aliados de que Lula precisa para vencer a eleição e, sobretudo, governar a partir de 2023, Marina Silva não está no top 1.000 dos que mais fizeram oposição ao PT.

E muito poucos entre os outros aliados brigaram ao lado de Chico Mendes, militaram em sindicato e colocaram no currículo do PT o melhor histórico de combate ao desmatamen­to da Amazônia na história brasileira.

Para ser honesto, olhando aqui para a cara de alguns aliados, se me contarem que eles sobrevoara­m a Amazônia pelados jogando napalm e panfletos “Bolsonaro 2018”, eu não duvido.

Na semana passada, a Folha informou que os aliados de Marina gostariam que Lula ligasse para sua ex-ministra para conversar. Se eu fosse ele, ligaria. Mesmo que ninguém pedisse.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil