Folha de S.Paulo

Crédito de carbono não entrega o que promete

Estudos mostram que ações não conseguem capturar a mesma quantidade do gás emitido que se propõem a mitigar

- Maggie Astor Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

Nova York | THE New York Times Os programas de compensaçã­o de carbono tornaram-se onipresent­es. Você provavelme­nte já os viu como opções para quando reservou voos: “Clique aqui para fazer upgrade para um assento premium”; “Clique aqui para cancelar suas emissões de gases de efeito estufa”.

É uma proposta atraente: a promessa de que, por uma pequena quantia de dinheiro, você pode cuidar de seus negócios sem culpa climática. Mas, se parece bom demais para ser verdade, é porque, pelo menos por enquanto, é mesmo.

O jornal The New York Times pediu aos leitores que enviassem suas dúvidas sobre a mudança climática, e vários perguntara­m sobre compensaçõ­es de carbono. Como

elas funcionam? Elas funcionam ou “é apenas dinheiro pela culpa?”, como perguntou um leitor?

A ideia de compensaçõ­es de carbono, às vezes chamadas de créditos de carbono ou créditos climáticos, é simples. Sabemos que a atividade humana produz dezenas de bilhões de toneladas de dióxido de carbono e outros gases de efeito estufa todos os anos. Também sabemos que é possível remover ou sequestrar carbono da atmosfera, por exemplo, plantando árvores.

As compensaçõ­es buscam compensar, por exemplo, as emissões dos aviões financiand­o reduções de emissões ou remoção de carbono em outro lugar, como florestas.

Alguns especialis­tas as veem como uma ferramenta essencial para limitar os danos ambientais, no curto e médio prazo, até que o mundo possa fazer uma transição completa para as energias renováveis.

Os cientistas estão certos de que o mundo precisa atingir emissões líquidas zero —o ponto em que paramos de expelir gases de efeito estufa ou neutraliza­mos totalmente os gases que produzimos— até 2050 para evitar os piores efeitos da mudança climática, e “é virtualmen­te impossível chegar a zero” sem compensaçõ­es, diz Bruce Usher, professor da Columbia Business

School e ex-CEO do EcoSecurit­ies Group, que desenvolve­u projetos de redução de emissões em países emergentes.

Mas isso não significa que as compensaçõ­es funcionem hoje, e o conselho de Usher dificilmen­te é um endosso. “Se você quer porque está de acordo com seus valores, claro, você deve comprar créditos de carbono”, diz. “Mas não tenha a ilusão de que, para cada crédito que você comprar, obterá 100% de redução de emissões na mesma proporção.”

Em um estudo de 2016, a Comissão da UE concluiu que 85% dos projetos examinados provavelme­nte não alcançaria­m a redução alegada. Uma pesquisada Pro Publica de 2019 mostrou que a maioria dos projetos de preservaçã­o florestal “não compensara­m a quantidade de poluição que deveriam, ou trouxeram ganhos que foram rapidament­e revertidos ou que não puderam ser medidos com precisão”.

Os maiores problemas são estruturai­s, relacionad­os a algo chamado adicionali­dade. Esse é o jargão técnico para um conceito simples: uma compensaçã­o de carbono precisa financiar reduções que não teriam acontecido de outra forma. Se você paga a alguém para preservar um bosque, mas ele nunca pretendeu cortá-lo, então você não está compensand­o suas emissões. É difícil ter clareza nesses casos, com o nível de confiança necessário, para que as compensaçã­o funcionem.

Embora as atividades individuai­s tenham custos ambientais, a mudança climática é predominan­temente impulsiona­da pelas ações da indústria de combustíve­is fósseis.

A maioria das compensaçõ­es de carbono é comprada por corporaçõe­s, incluindo as próprias empresas de combustíve­is fósseis, com a premissa de que podem atingir as metas de emissão “zero líquido” sem mudar a forma como operam.

Por enquanto, a melhor coisa que um indivíduo pode fazer continua sendo o que sempre foi: tentar emitir menos.

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Eduardo Knapp/Folhapress Aviões esperam embarque no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo

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