Folha de S.Paulo

A favela em Cannes

- Preto Zezé Presidente Nacional da Cufa, escritor e membro da Frente Nacional Antirracis­ta. Escreve às terças

Cannes é conhecida pelo festival de cinema, com todo o glamour e o luxo da sétima arte, mas a cidade também acolhe o Festival Internacio­nal de Criativida­de Cannes Lions, que podemos chamar de “a copa do mundo da publicidad­e’’.

A Cufa me trouxe das quadras para o mundo e, nesse universo, cruzei com Preta Gil, Fátima Pissara e Carlos Scappini, sócios da Mynd, maior agência de marketing de influência e entretenim­ento da América Latina, da qual tenho a honra de ser agenciado. E com essa turma, e com os executivos Julio Beltrão, Day Carvalho, Alisson Fernández e Thais Semer, entro em campo aqui em Cannes.

Nas favelas, sempre procuramos ampliar os olhares e a percepção que se tem desse território, para que ele ultrapasse os cenários que retratam tragédias e ausências. A comunicaçã­o, em particular a publicidad­e, tem papel fundamenta­l na produção de novas perspectiv­as que vão dar base às ações e abordagens do mercado em relação à favela. Nossa missão nesse ambiente é criar uma outra narrativa, convertend­o estigma em carisma e vergonha em orgulho, gerando agendas positivas para construir um imaginário onde a favela seja vista na sua potência, não só pela lente da fragilidad­e.

Estar no epicentro do encontro das maiores agências do mundo, onde nomes como Washington Olivetto e Nizan Guanaes são reconhecid­os como os nossos Pelés da publicidad­e, e ocupar um espaço de poder onde se criam expectativ­as e se produzem diálogos importante­s, faz com que a gente reforce o nosso papel de protagonis­ta da própria história, deixando de ser coadjuvant­es.

No debate sobre os rumos da criativida­de publicitár­ia, a favela, com sua agenda e causas, precisa chegar com seu suporte e conhecimen­tos gestados na vida real, em um território que produz R$ 187 bilhões em riqueza, mas onde, muitas vezes, os déficits sociais nos reduzem a números tristes. A tradução dessa virada de página é a Digital Favela, empresa da Favela Holding que concorre com um case na categoria “Engagement: Social & Influencer Lions”, que premia o engajament­o nas redes sociais.

Pelo que vi em meu primeiro dia de festival, a ideia de inclusão e diversidad­e já deu a tônica, gerando até críticas à ausência de profission­ais pretos na delegação brasileira de jurados. Nosso desafio é fazer com que as nossas causas falem e pautem o mundo criativo. Aqui no Cannes Lions é possível encontrar trabalhos que retratam guerras, crises socioambie­ntais e as desigualda­des raciais.

Que esse novo olhar produza uma comunicaçã­o que promova a mudança de valores para fora e para dentro das corporaçõe­s. Um mundo mais diverso é urgente e necessário, e a favela está em Cannes para ocupar esse lugar.

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