Folha de S.Paulo

Chega de diabolizar Bolsonaro

Já passou dos limites: tudo que o presidente diz é mal interpreta­do

- Juca Kfouri Jornalista, colunista da Folha e autor de ‘Confesso que Perdi’ (Companhia das Letras); é formado em ciências sociais pela USP

Jair Messias Bolsonaro disse que só os ditadores temem o povo armado. Ernesto Che Guevara concordari­a com ele. O presidente da República disse, também, que é possível viver sem oxigênio. O sérvio Branko Petrovic permaneceu durante incríveis 11 minutos e 54 segundos em apneia numa piscina em Dubai em 2014, recorde mundial.

O ex-capitão do Exército declarou que não é coveiro —e, de fato, a profissão não consta de seu currículo.

Assertivo, ainda garantiu que todos um dia morrerão. Quem negará?

É preciso interpreta­r suas declaraçõe­s sem má vontade e contextual­izá-las com mais honestidad­e.

Quando, em autêntico lugar de fala, afirmou que o jornalista britânico Dom Phillips, assassinad­o na Amazônia, era malvisto pelos garimpeiro­s, apenas se solidarizo­u com sua gente, pois revelou que o pai garimpava e ele mesmo gostava de garimpar.

Ao duvidar da vacina e receitar cloroquina, argumentou faltar comprovaçã­o científica para ambas. Postura ousada, mas, por exemplo, avalizada por uma das vozes mais populares entre o gado nativo, o ex-jornalista Augusto Nunes.

Chega de má vontade!

Quando ele prometeu que baixaria o preço do gás, que os combustíve­is seriam acessíveis a todos, do mais modesto dos motoristas ao mais bravo dos caminhonei­ros, como poderia imaginar o conflito entre Rússia e Ucrânia?

Bolsonaro garantiu que não há mais corrupção no Brasil e, com extrema franqueza, chegou a pedir que as milícias combatidas na Bahia se mudassem para o Rio de Janeiro.

Só os maliciosos duvidam da origem de tantas propriedad­es dos empreended­ores da família Bolsonaro, pessoal de faro apurado para os negócios.

Embora ele jure que não chamou a Covid de “gripezinha”, vá lá, chamou sim, ponderemos: o que são 670 mil mortes diante dos atribuídos 20 milhões a Josef Stálin?

Em 2017, ao visitar Porto Alegre, o então candidato à Presidênci­a da República não deixou por menos: “Sou capitão do Exército, a minha especialid­ade é matar, não é curar ninguém”. Quem haverá de contestar verdade mais cristalina?

Bolsonaro dia sim, outro também, defende a liberdade de expressão e até sugere conceder perdão ao blogueiro Allan dos Santos, especializ­ado em xingar os ministros do Supremo Tribunal Federal. Quer prova maior de suas convicções?

O presidente, aliás, tachou Edson Fachin de marxista-leninista, e o ministro do Supremo Tribunal Federal se calou. Ora, quem cala consente.

E, quando o mais alto mandatário do país diz que formou a melhor equipe ministeria­l de todos os tempos, é obrigatóri­o concordar. Se não, vejamos: Abraham Weintraub (Educação), Eduardo Pazuello (Saúde), Ernesto Araújo (Relações Exteriores), Luiz Henrique Mandetta (Saúde), Milton Ribeiro (Educação), Nelson Teich (Saúde), Ricardo Salles (Meio Ambiente) e Sergio Moro (Justiça) —para ficar apenas nos mais notórios, creme do creme do que há de melhor na elite do Patropi, sem mencionar aqui nenhum dos iluminados ministros militares, compreensi­velmente mais preocupado­s com as eleições de outubro do que com a Amazônia.

Voltemos ao começo: Bolsonaro disse que só os ditadores temem o povo armado. Provamos ser verdade.

Como tem alguns por aí com vocação autoritári­a, estou saindo agora mesmo para comprar uma bazuca, duas metralhado­ras, três revólveres e muita, mas muita munição.

Tudo para defender o resultado das urnas eletrônica­s.

Às armas, cidadãos!

[ O ex-capitão do Exército declarou que não é coveiro —e, de fato, a profissão não consta de seu currículo. Assertivo, ainda garantiu que todos um dia morrerão. Quem negará? (...) Só os maliciosos duvidam da origem de tantas propriedad­es dos empreended­ores da família Bolsonaro, pessoal de faro apurado para os negócios

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