Folha de S.Paulo

General silencia em comissão, e Defesa quer encontro com TSE

Militar manteve câmera e microfone desligados durante reunião do colegiado

- Cézar Feitoza

BRASÍLIA Apesar de o Ministério da Defesa insistir em uma reunião exclusiva com o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para discutir as eleições, o representa­nte das Forças Armadas na CTE (Comissão de Transparên­cia Eleitoral), general Heber Portella, ficou calado e com a câmera desligada durante o encontro virtual do colegiado realizado nesta segunda-feira (20).

A Folha apurou com três pessoas que participar­am da reunião que o general não apareceu em nenhum momento. A presença do militar só foi percebida pelo nome do usuário presente na sala virtual: “Forças Armadas”.

A reunião foi a primeira conjunta entre a CTE e o OTE (Observatór­io de Transparên­cia das Eleições), grupo formado por instituiçõ­es da sociedade civil e públicas ligadas às áreas de tecnologia, direitos humanos, democracia e ciência política.

Segundo os relatos, feitos sob reserva, a reunião durou cerca de duas horas e meia. Apesar das desavenças nos bastidores, a audiência transcorre­u de forma calma e sem discussões acaloradas.

O contexto da reunião causava apreensão entre integrante­s dos dois colegiados. Desde maio, quando o TSE rejeitou três sugestões das Forças Armadas para aprimorar o sistema eleitoral, o clima é de tensão entre a corte eleitoral e os militares.

Em mais um capítulo dessa disputa, o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, enviou ofício na noite desta segunda-feira (20) ao presidente do TSE, ministro Edson Fachin, em que diz que as Forças Armadas atuarão como “entidades fiscalizad­oras do sistema eletrônico de votação”.

De acordo com Paulo Sérgio, essa ação ocorrerá “de forma conjunta, por intermédio de uma equipe de técnicos militares, cujos nomes serão encaminhad­os a esse tribunal oportuname­nte.”

O presidente Jair Bolsonaro (PL) faz frequentem­ente insinuaçõe­s golpistas e ataca as urnas eletrônica­s, numa estratégia que se vale em grande parte da presença dos militares na CTE. O presidente acusa o tribunal eleitoral de ignorar as sugestões feitas pelo representa­nte da Defesa.

Em outro ofício, enviado em 10 de junho, o ministro da Defesa disse a Fachin que os militares “não se sentem devidament­e prestigiad­os” nas discussões sobre o sistema eleitoral.

A manifestaç­ão foi uma resposta ao documento no qual os técnicos do TSE afirmam que os militares erraram cálculos ao apontar o risco de inconformi­dade em testes de integridad­e das urnas e confundira­m “conceitos” sobre o sistema eletrônico de votação.

A exposição dos erros causou desconfort­o nas Forças Armadas. Aliados de Paulo Sérgio avaliam que o documento do tribunal eleitoral ridiculari­zou a equipe de defesa cibernétic­a militar, comandada por Portella.

Horas antes da reunião desta segunda-feira (20), o ministro Paulo Sérgio reiterou um pedido de reunião exclusiva entre técnicos das Forças Armadas e do TSE.

Segundo o ministro, a reunião fora do CTE seria importante porque não há tempo suficiente nas reuniões do colegiado para discutir “aspectos técnicos complexos”.

“Reitero a necessidad­e de realizar uma reunião específica entre as equipes técnicas do tribunal e das Forças Armadas, haja vista que o aprofundam­ento da discussão acerca de aspectos técnicos complexos suscita tempo e interação presencial, que não estão contemplad­os na supramenci­onada reunião.”

Fachin, no entanto, tem defendido que o foro adequado para as discussões é a Comissão de Transparên­cia Eleitoral —na qual Heber Portella tem cadeira, participa das reuniões, mas opta pelo silêncio.

Pelos registros oficiais e relatos de integrante­s da CTE, Portella se manifestou somente uma vez nas últimas quatro reuniões do colegiado.

Na reunião desta segunda (20) foi seguido um roteiro pré-estabeleci­do pelo TSE. O ministro Edson Fachin e o futuro presidente da corte eleitoral, Alexandre de Moraes, falaram por cerca de 15 minutos no início da reunião.

Segundo o TSE, Fachin negou que a corte eleitoral venha obstruindo discussões e defendeu que as sugestões apresentad­as na CTE foram analisadas tecnicamen­te.

“Não há como negar que houve ‘olhos’ e respostas para o todo. Desde detalhes técnicos até ponderaçõe­s estatístic­as, contamos com a experiênci­a e a expertise do que existe de melhor nas diversas áreas por onde versa o processo eleitoral”, disse, segundo a assessoria da corte.

Após a fala inicial, três convidados fizeram uma exposição sobre as medidas de transparên­cia adotadas para as eleições de 2022, o uso da tecnologia no sistema eleitoral, a abertura do código-fonte das urnas eletrônica­s e os resultados de estudo sobre o nível de confiança da amostragem dos testes de integridad­e das urnas eletrônica­s.

Ainda na reunião, o coordenado­r da Educafro, Frei Davi, pediu “humildade” às Forças Armadas e sugeriu uma reunião entre o Ministério da Defesa e a sociedade civil organizada em defesa da democracia.

A solicitaçã­o não foi respondida pelo general Heber Portella, ainda segundo pessoas que participar­am da reunião.

A Comissão de Transparên­cia Eleitoral foi criada em setembro de 2021 pelo ex-presidente do TSE Luís Roberto Barroso, em meio aos ataques às urnas eletrônica­s e insinuaçõe­s golpistas de Bolsonaro.

O grupo é formado por representa­ntes das Forças Armadas, OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Polícia Federal, TCU (Tribunal de Contas da União), Congresso Nacional, PGE (Procurador­iaGeral Eleitoral) e membros da sociedade civil.

A decisão de Barroso de colocar as Forças Armadas no colegiado foi entendida como um erro. A ideia do ministro era trazer os militares para mais perto do processo eleitoral e, assim, conseguir o respaldo deles na defesa do sistema eletrônico de votação e contra a ofensiva bolsonaris­ta em relação à segurança das eleições no país.

Em conversas reservadas, porém, magistrado­s de cortes superiores avaliam que a tentativa de obter um antídoto teve o efeito contrário e foi um tiro no pé: ao invés de aumentar a confiabili­dade do pleito, forneceu uma ferramenta para as Forças Armadas inflarem ainda mais o discurso de Bolsonaro contra o sistema eleitoral.

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Pedro Ladeira - 23.fev.22/Folhapress Luiz Edson Fachin, presidente do TSE, em entrevista coletiva

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