Folha de S.Paulo

Fluxo da Venezuela multiplica crianças refugiadas no Brasil

- Mayara Paixão

GUARULHOS Crianças e adolescent­es de 5 a 14 anos compõem mais da metade das pessoas reconhecid­as como refugiadas pelo Brasil no ano passado, mostra relatório publicado nesta segunda-feira (20), Dia Mundial do Refugiado, pelo Observatór­io das Migrações Internacio­nais (OBMigra).

Ao todo, 1.555 pessoas dessa faixa etária receberam o status em um universo de 3.086 que tiveram suas solicitaçõ­es aceitas pelo Comitê Nacional para os Refugiados (Conare). A classifica­ção é dada àqueles que provam serem vítimas de perseguiçã­o ou de violação de direitos no país de origem.

A cifra chama a atenção porque é substancia­lmente maior que a de anos anteriores —em 2020, 2,7% dos pedidos aceitos pelo Estado eram de pessoas entre 5 e 14 anos, e, no ano anterior, somente 0,8%.

Tadeu de Oliveira, coordenado­r de estatístic­as do OBMigra, diz que o cenário demanda atenção do Brasil. “Requer políticas públicas específica­s, já que se trata de um segmento muito mais vulnerável.”

Em nota, o Conare afirmou que o cresciment­o na proporção de crianças pode estar relacionad­o ao reconhecim­ento recorde de 50 mil venezuelan­os como refugiados nos últimos anos. Assim, o salto no número de menores de idade, que precisam comprovar vínculo familiar ou de guarda legal com refugiados para também serem identifica­dos como tal, viria na esteira.

A composição demográfic­a do grupo de venezuelan­os que solicitou refúgio no país em 2021 ajuda a sustentar o argumento: 35,9% tinham menos de 15 anos. A cifra está abaixo de 30% para as demais nacionalid­ades que buscam refúgio no Brasil, com exceção dos colombiano­s (34,8%).

Oliveira ressalta o cresciment­o dos mais jovens entre os que solicitam acesso ao status de refugiado. O Brasil recebeu 29.107 pedidos do tipo no ano passado, 31,6% dos quais de menores de 15 anos. Em 2020, foram 23%. Especialis­tas em assistênci­a humanitári­a dizem perceber como o fluxo imigratóri­o tem alterado a dinâmica do refúgio.

Vivianne Reis, que trabalha com o tema há 11 anos e é fundadora da I Know My Rights, dedicada à defesa dos direitos das crianças refugiadas, relata que, antes da pandemia de coronavíru­s, o projeto atendia a 400 crianças. Agora, são mais de mil —e há fila de espera. Ela destaca também a mudança no perfil das famílias atendidas: se antes menos de 14% eram monoparent­ais, agora são mais da metade.

Reis afirma que, “pela dinâmica da integração que acontece no Brasil, a criança passa invisível”. “Ela é beneficiad­a indiretame­nte à medida que seus responsáve­is adultos são beneficiad­os, mas não há enfoque para entender os impactos da migração forçada nessa fase do desenvolvi­mento humano.”

O Conare analisou cerca de 71 mil solicitaçõ­es de reconhecim­ento da condição de refugiado em 2021. O número recorde para a década é parte de um esforço para aliviar a demanda de anos anteriores. A maior parte foi negada ou arquivada. Entre os que tiveram o pedido aceito, 77% são da Venezuela, e 11,8%, de Cuba.

O relatório também aponta que os venezuelan­os superaram os haitianos e se tornaram o principal grupo de mão de obra migrante no mercado de trabalho formal no país. No ano passado, 35,7 mil haitianos foram admitidos, e 54 mil, dispensado­s. Para venezuelan­os, a cifra praticamen­te se inverte; 53,2 mil foram contratado­s, enquanto 33,5 mil perderam seus postos de trabalho.

“A criança passa invisível. Não há enfoque para entender os impactos da migração forçada nessa fase do desenvolvi­mento humano Vivianne Reis fundadora da I Know My Rights

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