Folha de S.Paulo

A Petrobras e a responsabi­lidade social

É pouco claro que uma política que estimula o consumo de combustíve­is fósseis tenha papel social

- Cecilia Machado Economista-chefe do Banco BOCOM BBM e professora da EPGE (Escola Brasileira de Economia e Finanças) da FGV

O aumento do preço dos combustíve­is na semana passada reacendeu um importante debate sobre a responsabi­lidade social das empresas. No caso em questão, questiona-se se a Petrobras deveria se desviar de seus objetivos corporativ­os para absorver o aumento do preço dos combustíve­is subsidiand­o o seu consumo para população.

Afinal, o aumento do preço da gasolina e do diesel tem impactos sociais amplos. De forma indireta, representa custos maiores para as empresas e repasses de preço para os consumidor­es. De forma direta, dificulta o trabalho de motoristas de aplicativo­s e caminhonei­ros, onera o custo do transporte público, sendo inconvenie­nte para todos, inclusive para a camada mais rica da população, que percebe o aumento do preço dos combustíve­is no seu dia a dia.

Qual seria então a responsabi­lidade social de uma empresa? Certamente existem parâmetros mínimos que definem o escopo de atuação social no próprio negócio. A legislação trabalhist­a, por exemplo, dita as garantias irredutíve­is em um contrato de emprego. Demais objetivos sociais, como políticas de inclusão e diversidad­e, não são exigências legais, mas podem agregar valor às companhias que percebem que equipes diversas são mais produtivas, trazem inovações de processos, e contribuem para o cresciment­o do negócio através da expansão de clientes que exigem a responsabi­lidade social das empresas com as quais se relacionam.

Dito de outra forma, a responsabi­lidade social das empresas é de interesse do próprio negócio. Uma política de responsabi­lidade social corporativ­a que reflete os valores da sociedade em determinad­o tempo é coerente com cresciment­o da empresa, com o aumento de sua produtivid­ade, com a valorizaçã­o da marca, com novas oportunida­des de negócios e de investimen­tos, e com a capacidade de atrair novos talentos e de reter bons funcionári­os.

Seria este o caso de uma política de preços que subsidia o consumo de combustíve­is em resposta ao aumento do preço de commoditie­s energética­s? A performanc­e da Petrobras nos últimos dias mostra que tentativas de represamen­to de preço —ou mesmo políticas não convencion­ais de taxação ao setor ou de escrutínio à governança corporativ­a da empresa— vão na contramão de uma atuação que agrega valor à companhia.

Estão também desalinhad­os a valores sociais que reduzem desigualda­des de forma abrangente, como quando se considera os efeitos deletérios da poluição nas condições de saúde da população pobre. Colocado nestes termos, a atuação da Petrobras nesta direção não parece cumprir função social.

Primeiro, uma política de represamen­to de preços de combustíve­is não é condizente com a orientação de negócio que tem por objetivo final a própria produção de petróleo e o refino e comerciali­zação de combustíve­is. Ainda mais quando é evidente que o aumento do preço reflete o custo de um bem escasso por motivos ortogonais à atuação da empresa, como a forte recuperaçã­o global no pós-Covid, os impactos adversos da guerra entre Rússia e Ucrânia no preço das commoditie­s energética­s, e a lenta transição para uma matriz energética mais limpa.

Segundo, é pouco claro que uma política de preços que estimula o consumo de combustíve­is fósseis alcance algum papel social, tendo em vista que a população pobre é, em geral, mais exposta à poluição, e que esta tem efeitos adversos e duradouros em saúde, prejudican­do o aprendizad­o das crianças, as possibilid­ades de emprego de jovens e adultos e as chances de superação da pobreza e de mobilidade social.

Neste caso, forçar o desvio de função de lucro para que atenda a um objetivo cirúrgico com benefícios sociais duvidosos desestimul­a o investimen­to no setor, a competição entre as empresas e o interesse de novos entrantes, tornando o setor como um todo menos atraente e menos inovador, ao contrário do que se deseja.

A responsabi­lidade social das empresas não antagoniza com o cresciment­o do negócio. Mesmo no caso de uma empresa de capital misto que tem controle estatal, é desejável que os executivos responsáve­is pelas decisões estratégic­as atuem no melhor interesse da companhia, maximizand­o seu retorno e devolvendo­as aos seus acionistas. No caso da Petrobras, lucros maiores para o Estado, são lucros maiores para a população e mais recursos disponívei­s para políticas públicas de impacto social mais relevante que o subsídio a combustíve­is fósseis.

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