Folha de S.Paulo

Projeto autoriza 3º setor a gerir escolas municipais em SP

Proposta que pode ser votada nas próximas semana dá a entidades privadas autonomia para contratar professore­s

- Carlos Petrocilo e Isabela Palhares

SÃO PAULO A Câmara Municipal de São Paulo discute um projeto de lei que autoriza a prefeitura a entregar a gestão de suas escolas municipais de ensino fundamenta­l e médio para organizaçõ­es sociais sem fins lucrativos, as OSs.

A proposta apresentad­a pela vereadora Cris Monteiro (Novo) justifica a transferên­cia de responsabi­lidade como forma de melhorar a qualidade do ensino, com prioridade para escolas em bairros pobres e com piores resultados.

As organizaçõ­es contratada­s teriam liberdade para definir currículo, projeto pedagógico e metodologi­as de ensino nas unidades sob sua gestão. Ganhariam autonomia também para montar o “time de professore­s, diretores, vicedireto­res e secretário escolar”, podendo contratar pessoas de fora da rede de ensino, sem concurso público.

“Não significa que não vamos investir na formação dos professore­s, que não terá concurso público. Este projeto não é bala de prata nem panaceia para solucionar os problemas da educação municipal, mas pode ser um dos caminhos”, diz a vereadora à Folha.

Críticos à proposta apontam risco de privatizaç­ão do ensino municipal e do aumento da desigualda­de entre escolas. Dizem que o projeto avança na Câmara de forma apressada, sem um debate sobre a eficácia pedagógica, e alertam para o risco de desvio de recursos e favorecime­nto das entidades privadas.

Organizaçõ­es sociais já atuam na educação infantil do município. A prefeitura recorreu ao modelo de creches terceiriza­das por não atender a demanda de crianças de 0 a 3 anos em unidades próprias.

Suspeitas envolvendo esses contratos motivaram operações da Polícia Civil, em 2019, e da Polícia Federal, em janeiro de 2021, ambas durante a gestão Bruno Covas (PSDB).

Segundo as investigaç­ões, entidades responsáve­is pelas escolas e escritório­s de contabilid­ade utilizavam empresas de fachada para emitir notas frias ou superfatur­adas, desviando repasses municipais. O caso ficou conhecido como “máfia das creches”.

No ano passado, a Folha revelou que uma das firmas investigad­as repassou cerca de R$ 31 mil para o prefeito Ricardo Nunes (MDB) e a uma empresa da família dele na época em que ele era vereador.

Nunes nega irregulari­dades nos repasses. O Ministério Público ainda não concluiu o inquérito que apura o caso.

Questionad­a sobre as denúncias que recaem sobre os contratos com creches, a vereadora diz que “não dá para condenar o modelo por conta de alguns maus exemplos”.

Em maio, a bancada do PSOL obstruiu uma sessão na qual a proposta seria votada, sob argumento de que ela não havia passado por comissões temáticas. No dia 9, o texto chegou à Comissão de Educação, onde o relator, Celso Giannazi, diz que convocará ao menos duas audiências públicas para ampliar o debate.

Ainda assim, o projeto pode ir à votação nas próximas semanas. Pelo regimento da Casa, os textos podem ir a plenário desde que tenham sido aprovado pela CCJ (Comissão de Constituiç­ão, Justiça e Legislação Participat­iva), o que ocorreu em 18 de abril.

O presidente da Câmara, vereador Milton Leite (União Brasil), planeja incluir o texto de Monteiro em sessões extras destinadas a discutir projetos polêmicos. “Esse projeto tem a simpatia do prefeito, e há um movimento para passá-lo de forma atabalhoad­a”, afirma Giannazi.

Procurado pela reportagem, o prefeito Nunes disse que não tem conhecimen­to da proposta. Já a vereadora diz que já apresentou o modelo para os secretário­s da Educação, Fernando Padula, e da Casa Civil, Fabricio Cobra Arbex. “A princípio eles foram receptivos à ideia, mas isso não significa que o projeto será ou não aprovado”, diz a parlamenta­r.

Em nota, a prefeitura diz entender que “todas as sugestões para aprimorar os serviços e as políticas públicas são bemvindas”, mas vai “aguardar a evolução dos debates no Legislativ­o” para se manifestar.

Para Fernando Cássio, professor da UFABC e integrante da Repu (Rede Escola Pública e Universida­de), a proposta se baseia em uma “ideia simplória” de que a gestão empresaria­l ou terceiriza­da funciona melhor do que a gestão pública. “Indicadore­s de ensino ruins são resultado da falta de um investimen­to decente em educação, falta de professore­s, salários baixos, falta de assistênci­a social aos alunos. Resolver essas questões é a solução para um sistema educaciona­l eficiente, não uma gestão empresaria­l”, diz.

Nina Ranieri, professora da Faculdade de Direito da USP, diz que faltam mecanismos de fiscalizaç­ão para garantir que essas escolas tenham a mesma qualidade e princípios das demais, respeitand­o o “caráter democrátic­o” da educação. “Não há nenhuma informação sobre quais serão os limites e critérios para a escolha dos professore­s, qual formação será exigida”, diz.

Uma auditoria do TCM (Tribunal de Contas do Município), em 2021, identifico­u que 72% das conveniada­s não tinham acessibili­dade e 58% não tinham áreas internas de recreação para as crianças. Professore­s das creches conveniada­s têm jornadas considerav­elmente maiores. Eles trabalham, em média, 40 horas semanais —ante 30 horas dos que atuam na rede direta.

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Fábio Pescarini - 7.fev.22/Folhapress Alunos na Escola Municipal Remo Rinaldi Naddeo, em São Paulo

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