Folha de S.Paulo

O privilégio de poder errar

Árbitros homens são premiados em escala da CBF mesmo após falhas

- Renata Mendonça Jornalista, comenta na Globo e é cofundador­a do Dibradoras, canal sobre mulheres no esporte

Os erros evidentes na arbitragem de campo e do VAR na partida entre Internacio­nal e Botafogo pela Série A do Campeonato Brasileiro geraram grande repercussã­o. E, desta vez, até houve uma consequênc­ia —Rafael Traci, árbitro de vídeo do jogo em questão, estava escalado para o clássico entre São Paulo e Palmeiras nesta segunda-feira e foi trocado.

Erros acontecem com frequência na arbitragem do futebol brasileiro, mas é perceptíve­l como, ao que parece, para alguns há o “privilégio” de errar e seguir atuando nos principais jogos. Para outros (ou melhor, para outras), qualquer deslize pode ser fatal.

Antes de mais nada, uma constataçã­o óbvia, mas que precisa ser repetida. A arbitragem no futebol brasileiro tem muitos problemas. E o principal deles é a falta de profission­alização da categoria.

É cada vez mais urgente que uma função com tamanho impacto no jogo seja regulariza­da de uma forma que permita aos profission­ais da área atuarem exclusivam­ente no futebol, sem depender de outras carreiras para garantir sustento.

Se queremos árbitros bem preparados em todos os jogos, precisamos ter um sistema que permita a eles dedicação à carreira em 100% do tempo.

Agora, para pegar o caso mais recente. O árbitro do polêmico Internacio­nal 2 x 3 Botafogo foi Savio Pereira Sampaio. O nome me chamou a atenção ao acompanhar a partida porque, há exatamente um mês, estive na transmissã­o de um jogo que teve uma atuação muito ruim dele. Foi Santos 0 x 0 Ceará em Barueri, com um gol do Santos mal anulado e um jogador do Ceará

expulso de maneira equivocada.

Fiquei surpresa que, mesmo após essa atuação muito ruim naquela partida, lá estava o mesmo árbitro de novo escalado para um jogo importante, de duas camisas gigantes do futebol brasileiro. Aí, por curiosidad­e, fui olhar a escala dele no site da CBF. Desde aquele Santos x Ceará, Savio foi escalado para outros quatro jogos, sendo três da Série A. Toda semana, ele está envolvido em jogo de times grandes.

Não estou dizendo aqui que, por erros eventuais cometidos em uma partida, um árbitro deveria ser severament­e punido e retirado da escala por completo. Mas é preciso que haja coerência, então, nas medidas tomadas quando há erros de arbitragem constatado­s.

E é nítida essa diferencia­ção quando pegamos exemplos de árbitros (homens) e árbitras (mulheres). Infelizmen­te, não há um grande número de representa­ntes femininas no quadro de arbitragem da CBF, e só uma delas costuma apitar jogos da Série A do Brasileiro desde 2019 —Edina Alves Batista. Erros cometidos por ela costumam custar mais caro do que erros cometidos por seus colegas homens.

No clássico entre Santos e São Paulo pelo Campeonato Paulista em fevereiro, dois pênaltis não marcados por Edina a favor do time santista foram reconhecid­os pela Federação Paulista em nota oficial. A partir daí, ela perdeu espaço nas principais escalas do futebol brasileiro. Para se ter uma ideia, Edina não apitou ainda nenhum jogo da Série A neste ano ( já se foram 13 rodadas), nem da Copa do Brasil. Enquanto isso, Savio Pereira Sampaio já atuou em 8 jogos da Série A e em dois da Copa do Brasil.

Esse é apenas um exemplo daquilo que as mulheres vivenciam no futebol (seja atuando na arbitragem ou nas transmissõ­es dos jogos). Basta um erro, e todo o espaço conquistad­o é colocado em xeque. Vivemos pisando em ovos. “Tá vendo por que mulher não pode apitar/narrar/comentar?” Enquanto isso, árbitros, narradores, comentaris­tas seguem cometendo erros (porque, afinal, ninguém é imune a eles) e ninguém constata: “Olha aí, isso que dá colocar homem pra apitar/narrar/comentar”. Percebem a diferença? | dom. Juca Kfouri, Tostão | seg. Juca Kfouri, Paulo Vinicius Coelho | ter. Renata Mendonça | qua. Tostão | qui. Juca Kfouri | sex. Paulo Vinicius Coelho, Sandro Macedo | sáb. Marina Izidro

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil