Primeiro monumento a homenagear uma mulher negra na capital paulista é de 1955
Dos inúmeros monumentos que estavam espalhados pela cidade de São Paulo na primeira metade do século 20, nenhum deles fazia uma referência direta à cultura e à identidade negra. Sobravam monumentos para homenagear brancos e até indígenas, estes reconhecidos em pelo menos duas esculturas importantes, uma na região central e outra na zona leste.
Nos preparativos para o 4º centenário de São Paulo, falou-se sobre inaugurar diversos monumentos pela cidade no período comemorativo. Dentre as principais obras construídas estão o Monumento às Bandeiras, obra de Victor Brecheret plenamente conhecida, a escultura do 4º Centenário, que infelizmente foi destruída, e uma terceira, a Mãe Preta, no Largo do Paissandu.
O monumento Mãe Preta foi o último alusivo ao quadrigentésimo aniversário de São Paulo a ser inaugurado.
O projeto da obra foi escolhido por meio de um concurso público, vencido por um escultor concorrente sob o pseudônimo de Ibirapuera.
Mais tarde, no anúncio da escolha, foi revelado ser o escultor santamarense Júlio Guerra, mesmo artista que, alguns anos depois, ficaria ainda mais conhecido por outro monumento paulistano, o Borba Gato.
Com a cobertura da Folha da Noite, antecessora desta Folha, a escultura foi apresentada ao público na manhã de 23 de janeiro de 1955, em uma cerimônia concorrida no Largo do Paissandu. A obra foi instalada ao lado da igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, onde está até hoje.
Apesar da homenagem feita à cultura e identidade negra com a escultura, a obra de Júlio Guerra não ficou livre de críticas. Representando uma Ama de Leite, o projeto modernista desagradou a muitos militantes do movimento negro à época, devido ao exagero no tamanho de seus pés e mãos.
Entretanto, era algo comum em obras de cunho modernista, como pode ser visto na pintura “A Negra”, de Tarsila do Amaral, e até mesmo na pintura “Café”, de Cândido Portinari.
Outra voz que criticou a escolha do estilo modernista para a estátua foi o jornalista e ativista José Correia Leite. Principal nome da imprensa negra paulista e personalidade histórica do movimento negro brasileiro, Leite disse, à época, que a escultura não representava a mulher negra, bonita e educada que foi a figura da Ama de Leite.
Críticas à parte, o monumento aos poucos foi caindo no gosto da comunidade negra e, com o passar dos anos, se solidificou como uma grande homenagem de São Paulo aos negros do Brasil.
Anos depois da inauguração da estátua, começou a comemoração do Dia da Mãe Preta, sempre no dia 13 de maio. A iniciativa traz festividades e celebrações religiosas ao redor do monumento.
E o Dia da Mãe Preta foi especialmente celebrado em 1972, ano em que o evento foi agraciado com a importante visita do então presidente da República, Emílio Garrastazu Médici. A visita presidencial ao local atraiu uma multidão de 10 mil pessoas, que viram o então presidente junto do governador paulista Laudo Natel depositar flores ao pé da estátua.
Desde então, tornou-se rotina ver flores e até velas serem depositadas na base do monumento, que não raro é visto com sua base chamuscada.
Uma obra de tamanha importância não poderia deixar de ser um patrimônio paulistano. Em 2004 o município de São Paulo, através do Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo), tombou a escultura Mãe Preta como patrimônio histórico da cidade.
A obra é confeccionada em bronze e tem sua base em granito. Em três faces da base da estátua existem gravuras e inscrições. No lado esquerdo há a alegoria de um pelourinho; no lado direito, imagens da Mãe Preta; e, na parte frontal da base, o escultor Júlio Guerra reproduziu o poema “Mãe Preta”, do poeta Ciro Costa.