Novos chefes da Cultura evitam redes, diferente de Mario Frias
Segundo pesquisadores, discrição na internet visa barrar desgaste da imagem de Bolsonaro pré-eleições
sÃo paUlo As redes sociais do alto escalão da Cultura do governo Bolsonaro agora são diferentes —quando elas existem. As nomeações de novos servidores para cargos de chefia na Secretaria Especial da Cultura e na Fundação Cultural Palmares sinalizaram uma mudança na face pública virtual da administração federal das pastas.
Saíram de cena a estridência e a belicosidade das postagens do trio formado por Mario Frias, ex-secretário especial da Cultura, André Porciuncula, ex-chefe da Lei Rouanet, e Sérgio Camargo, ex-presidente da Fundação Palmares, nas quais eram comuns ofensas a artistas, críticas à lei de incentivo e ao movimento negro, e vão para o holofote servidores que mal têm redes sociais ou as usam com pouca frequência.
Hélio Ferraz de Oliveira, o novo secretário especial da Cultura, é o mais ativo dos novos nomes. Em seu perfil no Instagram, ele alterna fotos de pastéis de Belém e de personagens da Disney com postagens escritas num português com erros nas quais defende as causas de seu antecessor, porém em tom menos agressivo do que Frias.
Desde que assumiu o cargo, no fim de março, o novo secretário especial da Cultura postou nove vezes. Ele se manteve em silêncio, por exemplo, sobre o veto de Jair Bolsonaro à Lei Paulo Gustavo, que injetaria R$ 3,86 bilhões na cultura do país e era tema de escárnio frequente de Frias. O ex-secretário, aliás, parabenizou Bolsonaro pelo veto em seu perfil.
Outra peculiaridade é que o novo chefe da Cultura não tem Twitter, ou, se tem, é uma conta pouco conhecida ou fechada. A plataforma foi a ferramenta preferida de Frias —e também de seu braço direito, o ex-chefe da Lei Rouanet, Porciuncula— para anunciar políticas públicas que dias depois apareceriam no Diário Oficial, a exemplo das mudanças recentes na Lei Federal de Incentivo à Cultura.
Lucas Jordão Cunha, o novo secretário de fomento, tem apenas um perfil no Instagram, numa conta fechada e com poucos seguidores. Já o recém-empossado presidente da Fundação Palmares, Marco Antonio Evangelista, nem nas redes sociais parece estar. Uma busca por seu nome no Google retorna pouca informação além de um currículo no sistema Lattes atualizado pela última vez há quase dez anos.
Por que o governo escolheu para a Cultura, agora, servidores com presença tímida na internet? Para o sociólogo Paulo Niccoli Ramirez, professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing, é uma dupla estratégia do gabinete de Bolsonaro às vésperas das eleições.
Servidores discretos nas redes sociais, afirma Ramirez, têm a “intenção de agradar o centrão e silenciar qualquer problema e novas polêmicas que possam prejudicar Bolsonaro”. As polêmicas causadas por Frias e Porciuncula recebiam uma onda de reações negativas da classe artística, que, usando a influência que tem sobre seus milhões de seguidores, acabava pondo uma parte da opinião pública contra o governo.
A ideia, acrescenta o professor, é também conquistar os votos dos eleitores da direita moderada, que provavelmente votariam em Sergio Moro, agora fora da disputa para as eleições presidenciais. Ramirez define esse eleitorado como neoliberal e não conservador na pauta de costumes, preocupado com a diversidade nas empresas e a questão do racismo em instituições públicas.
“Os falastrões que faziam parte da pasta da Cultura”, prossegue Ramirez, agora se beneficiam da popularidade que as polêmicas trouxeram a eles e tentam converter esse capital em votos. Frias e Camargo concorrem a deputado federal por São Paulo, e Porciuncula, a deputado federal pela Bahia, todos filiados ao Partido Liberal, o mesmo de Bolsonaro.
Segundo Ivana Bentes, pesquisadora da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Frias na Cultura e Camargo na Palmares já cumpriram a agenda moral e a guerra cultural que Bolsonaro anunciou que faria, ao pôr um negro contra os interesses dos negros e um ator de TV para desmontar o campo cultural.
Bolsonaro pode se vangloriar desse cenário de destruição com seus eleitores, afirma ela, acrescentando que tudo bem entrarem burocratas ou funcionários de carreira agora. “Se não fizerem nada, estarão ajudando a avançar o processo de deterioração que foi iniciado.”
Além disso, segundo Bentes, o “discurso alucinatório” que elegeu Bolsonaro, de ditadura gay, mamata da Lei Rouanet e ameaça comunista se enfraquece diante de uma economia deteriorada, da alta dos combustíveis e do desemprego galopante.
A professora também lembra o poder de mobilização de artistas, celebridades e atores contra o presidente, o que chama de “ativismo mainstream” por não vir nem da esquerda, nem da direita, nem de grupos sectários.
Ela dá como exemplo a reação ruidosa de Anitta e Pabllo Vittar contra a tentativa de censura do Tribunal Superior Eleitoral a manifestações políticas no festival Lollapalooza. “Fora, Bolsonaro”, escreveu Anitta numa rede, chamando a medida de um ato de censura.
Wilson Gomes, professor de comunicação da Universidade Federal da Bahia e colunista deste jornal, afirma não saber se há uma intenção clara na escolha de perfis discretos, mas a estratégia do bolsonarismo de recrutar todos os perfis ruidosos e com visibilidade para tentar mandatos está evidente.
Segundo ele, “resta saber se o propósito é baixar o perfil —ou a capacidade de criar rumor e atrair a atenção—, ou é se deixar os cargos em compasso de espera para alguma indicação futura dos aliados, se for necessário acomodar interesses”.