Folha de S.Paulo

‘O Pequeno Príncipe’ chega aos 75 anos em mostra que revê a vida de seu autor

Em Paris, exposição traz manuscrito e mais de 600 itens sobre trajetória e obra de Saint-Exupéry

- Carolina Vasone

paris Deve haver algum motivo muito especial —ou vários deles— para “O Pequeno Príncipe” ser a segunda história mais traduzida do mundo, ficando atrás apenas da Bíblia.

A exposição “À la Rencontre du Petit Prince”, ou ao encontro do Pequeno Príncipe, exibida até o próximo domingo no Museu de Artes Decorativa­s, em Paris, reúne 600 pistas para entender o fenômeno. Entre elas, correspond­ências, fotos e desenhos que remontam a vida de seu autor, o escritor, aviador, ilustrador e jornalista Antoine de Saint-Exupéry.

Um dos destaques é o manuscrito original do livro, raridade mantida na Biblioteca e Museu Morgan, em Nova York, e que nunca havia sido exposta antes na França.

A obra foi escrita em 1942 em Nova York, na época em que o escritor morou nos Estados Unidos, para onde foi com a missão de convencer o país a entrar na Segunda Guerra Mundial contra a Alemanha e junto com a França, no bloco dos Aliados.

O livro foi publicado em 1943 nos Estados Unidos, três anos antes da edição francesa, e o primeiro volume escrito e ilustrado à mão por Saint-Exupéry acabou permanecen­do assim em território americano.

“O original de Exupéry revela seu processo criativo, além de curiosidad­es surpreende­ntes. A disposição das aquarelas no manuscrito mostram, por exemplo, que o autor ilustrou o livro à medida que o escrevia, e não depois do texto pronto. Ele era muito rápido na escrita, mas dedicava bastante tempo aos detalhes de seus desenhos”, afirma Anne Monier Vanryb, que é a curadora da exposição, em entrevista, em Paris.

As ilustraçõe­s, muitas delas inéditas, são parte importante da mostra e revelam uma das muitas facetas de SaintExupé­ry que o acompanhar­am desde que ele era criança.

“Todos os elementos e personagen­s do livro estão presentes na vida dele desde muito cedo. Quando ele era criança, acabou lendo um livro de história natural em que uma serpente sufocava uma fera. A mesma imagem vai aparecer em ‘O Pequeno Príncipe’”, conta Vanryb.

Os desenhos revelam mais curiosidad­es sobre o processo de criação do enredo, caso da série que mostra o Pequeno Príncipe ora ao lado de um cachorro, ora de um papagaio, e até de um caramujo.

A raposa, companheir­a do protagonis­ta no livro, foi a vencedora da concorrênc­ia, talvez por ser inspirada numa passagem da vida do escritor.

A curadora lembra que, nos anos 1920, Saint-Exupéry teve uma raposa quando foi diretor de um pequeno aeroporto no deserto do Marrocos.

Além do desenho, que aprendeu com a mãe —o autor escrevia a ela pedindo opinião sobre as ilustraçõe­s—, a aviação é outra paixão da infância de Saint-Exupéry, passada entre Lyon, cidade francesa onde nasceu e viveu com os quatro irmãos até os dez anos, e os dois castelos de sua família de origem aristocrát­ica.

Da mesma forma que seu personagem, o autor foi piloto e viajou o mundo. Também lutou na Segunda Guerra Mundial quando, em 1944, desaparece­u durante uma missão aérea. Outra vocação que cultiva desde criança, a escrita de poemas culminou na carreira de escritor e de jornalista, com reportagen­s no Vietnã, na Rússia e na Espanha, onde cobriu a Guerra Civil Espanhola.

“Há essa discussão sobre quem seria o alter ego de Exupéry, o Pequeno Príncipe ou o piloto. São ambos. Assim como o livro é infantil, mas também adulto. Isso porque tudo o que Exupéry foi quando adulto já aparecia em sua infância”, comenta Vanryb.

Dos 498 idiomas e dialetos para os quais “O Pequeno Príncipe” foi traduzido, 120 integram a mostra, com ênfase para as edições publicadas em 1950 e 1960 e uma alternânci­a entre línguas de diferentes origens, do italiano e japonês ao toba, idioma indígena guaicuru da América do Sul. A edição brasileira escolhida foi a primeira publicada com capa ilustrada, em 1952.

“A ideia era exibir as traduções de todos os idiomas, mas, por causa da Covid-19, tivemos que aumentar o espaço de circulação para o público”, afirma a curadora.

O sucesso global assim não passou sem conflitos. Morto um ano após a publicação do livro, Saint-Exupéry não deixou descendent­es. Daí o legado se dividiu entre a família do autor e sua mulher, Consuelo.

A briga só começou a partir da morte dela, em 1979, quando a também escritora legou seus direitos a seu secretário, enquanto o ramo da família da irmã do autor entrou na Justiça. Após prejuízos para ambos os lados, a paz foi selada em 2021, quando foi publicada uma coletânea de cartas entre Saint-Exupéry e a mulher.

Ao ser perguntada se considerou a mensagem de crença na humanidade como um dos motivos para investir na exposição aberta em fevereiro deste ano, ela afirma que não. A ideia era homenagear os 75 anos da obra, que se completam neste ano. “O mundo é tão complicado, que sempre precisarem­os do Pequeno Príncipe para nos lembrar do essencial.”

 ?? MAD, Paris/Christophe Dellière e Fondation JMP/LPP ?? Acima, cartaz de Charles-Edouard Derche sobre o Marrocos; à. dir., capas de ‘O Pequeno Príncipe’ em língua amárica, acima, e em bengali, abaixo
MAD, Paris/Christophe Dellière e Fondation JMP/LPP Acima, cartaz de Charles-Edouard Derche sobre o Marrocos; à. dir., capas de ‘O Pequeno Príncipe’ em língua amárica, acima, e em bengali, abaixo
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