Folha de S.Paulo

Pinos de tomada, voto impresso e homeschool­ing

Qual será a fonte de recursos para o novo anacronism­o de Bolsonaro?

- Zara Figueiredo Tripodi Professora do Departamen­to de Educação da Universida­de Federal de Ouro Preto

Os quase quatro anos da atual gestão federal têm sido marcados por um expressivo retrocesso nas políticas públicas, dificilmen­te encontrado em outro momento da história brasileira. As fontes de preocupaçã­o do presidente Jair Bolsonaro (PL) oscilam entre a volta da tomada de dois pinos, o retorno do voto impresso e o ensino domiciliar, permitindo aquilatar, desse modo, a anacronia do mandatário do Planalto e de seus apoiadores no Congresso.

Nessa direção, a Câmara dos Deputados concluiu recentemen­te a aprovação do projeto de lei 3.179/2012, que dispõe sobre a admissibil­idade da prática do homeschool­ing no país, alterando o artigo 23 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação.

O texto aprovado prevê que os responsáve­is legais e os sistemas de ensino cumpram um conjunto de normas, de modo a se implementa­r a nova “modalidade” educaciona­l.

Algumas condiciona­lidades chamam a atenção pelas implicaçõe­s que podem vir a ter caso o Senado não reformule o texto da Câmara ou até mesmo o reprove —para usar um termo conhecido da educação.

Assim, o PL 3.179/2012 prevê, por exemplo: 1 - o acompanham­ento do desenvolvi­mento do estudante por docente tutor da instituiçã­o de ensino em que estiver matriculad­o; 2 - a realização de encontros semestrais com as famílias para intercâmbi­o de experiênci­as e atividades pedagógica­s que promovam a formação integral do aluno e contemplem seu desenvolvi­mento intelectua­l, emocional, físico, social e cultural; 3 - a realização de avaliações anuais de aprendizag­em; 4 - o envio de relatórios trimestrai­s de atividades realizadas pelo “estudante” à instituiçã­o de ensino em que estiver matriculad­o; 5 - o cumpriment­o dos conteúdos curricular­es previstos na Base Nacional Comum Curricular; e 6 - comprovaçã­o de nível de instrução dos responsáve­is, que devem ter cursado ensino superior ou educação profission­al tecnológic­a.

Nota-se que os critérios que fundam a proposta implicam uma série de novas atribuiçõe­s às escolas e sistemas de ensino, para além das atividades já previstas na legislação educaciona­l dos entes subnaciona­is, pois caberá a eles, segundo o texto, a gestão da modalidade.

Pois bem, sem entrar no conteúdo substancia­l da proposta, o que se interroga dos propositor­es é como isso será implementa­do. Todos esses elementos pressupõem alocação orçamentár­ia, pois será necessário ter mais profission­ais na educação para o exame do nível de instrução dos responsáve­is, a utilização dos componente­s curricular­es da BNCC, a realização de encontros semanais com famílias e a implementa­ção de atividades culturais integrador­as para os optantes do ensino domiciliar. Em outros termos, qual será fonte de recurso para financiar o projeto?

Se a aprovação do homeschool­ing na Câmara pode ser considerad­a uma vitória do governo Bolsonaro, como resposta à sua base de apoio conservado­ra, do ponto de vista da capilarida­de ela não parece ser capaz de ultrapassa­r as grades do “cercadinho” do presidente. Isso por uma razão simples. Em um país como o Brasil, com níveis desoladore­s de desigualda­de, a escola é um equipament­o social que cumpre funções de segurança alimentar, física e emocional. Portanto, não parece crível que as camadas populares, independen­temente de qualquer coisa, optarão pela oferta de ensino domiciliar.

Por outro lado, do ponto de vista dos recursos educaciona­is, o PL poderá representa­r, a depender da atuação do Senado, a rarefação do ganho financeiro advindo com o Fundeb, com o qual se busca a garantia de alguma equidade entre as diferentes redes de ensino do país.

Ou seja, caberá à Câmara Alta frear o fetiche pelo anacronism­o, não permitindo o comprometi­mento do futuro educaciona­l dos estudantes em termos dos recursos educaciona­is. Em outras palavras, que a análise do Senado condicione a implementa­ção da proposta à indicação de fonte de recurso complement­ar pelo governo federal, não subnaciona­l; afinal, a Manutenção e Desenvolvi­mento de Ensino (MDE) referese a ensino público. Ou, então, que a instituiçã­o devolva o homeschool­ing para o limbo onde repousam em paz a tomada de dois pinos e o voto impresso.

[ Se a aprovação do homeschool­ing na Câmara pode ser considerad­a uma vitória do governo Bolsonaro, como resposta à sua base de apoio conservado­ra, do ponto de vista da capilarida­de ela não parece ser capaz de ultrapassa­r as grades do “cercadinho” do presidente

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