Folha de S.Paulo

Vamos queimar a bruxa da Petrobras

Efeito da demagogia no preço será mínimo, mas Bolsonaro quer botar a culpa em alguém

- Vinicius Torres Freire Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administra­ção pública pela Universida­de harvard (EUA) vinicius.torres@grupofolha.com.br

Jair Bolsonaro quer queimar na fogueira a bruxa da Petrobras. Ainda que não consiga baixar o preço da gasolina e do diesel em alguns centavos, o que está mesmo difícil, tenta açular a horda contra um inimigo do povo, uma personagem do Ibsen do lixão dos desclassif­icados.

Parece se divertir com isso também, como um moleque arruaceiro surtado que desabafa seu ódio rindo com a destruição que causa: com a CPI, a Petrobras iria perder mais R$ 30 bilhões, como disse no final de semana.

A CPI talvez não venha, mas serviu como ameaça facinorosa, que acabou por derrubar o presidente da petrolífer­a, mas não apenas. O poderoso centrão, presidente da Câmara e chefe da família que sustenta Bolsonaro e faz as vezes de governo, Arthur Lira (PP-AL) ameaçou pegar a família dos diretores da Petrobras e fuçar a vida deles por meio da Comissão Parlamenta­r de Inquérito. É um aviso a quem se meter a besta.

Da parte do poderoso centrão, dos partidos mais lambuzados no petrolão e no mensalão, é também um movimento de guerrilha, para derrubar a Lei das Estatais. Assim ficaria mais fácil nomear alguém para uma “diretoria que fura poço”, na frase imortal de Severino Cavalcanti. Cavalcanti foi o primeiro grito de guerra e Carnaval do centrão, eleito presidente da Câmara em 2005, caído por corrupção em lanchonete. Parecia escárnio, mas era aviso. Lira é a metamorfos­e sinistra de Cavalcanti.

Em lugar mais sério, Lira teria problemas com sua ameaça. Se sabia de rolo na Petrobras e não fez nada até agora, prevaricou. Se não sabe de nada, comete algum tipo de ameaça ou de constrangi­mento ilegal. Cadê a CPI da Codevasf ou do FNDE, das suspeitas de superfatur­amento de negócio com emenda parlamenta­r?

Quanto à maçaroca de medidas incompeten­tes e estelionat­árias, pouco devem render até em termos demagógico­s. Se o lucro inteiro da Petrobras fosse para o vinagre, para subsídio, o preço do litro da gasolina e do diesel não baixaria mais de R$ 1 e recomeçari­a a ruína da empresa. Tributar a exportação de petróleo bruto é idiotice mesmo para a malandrage­m (a Petrobras perde dinheiro e se faz o quê com petróleo bruto? Fogueira?).

Vale-gás e auxílio-caminhonei­ro até que ajudam alguma gente, mas são políticas sociais ruins. Estourar de novo o teto de gastos para dar subsídio direto vai render centavos no preço e causar dano colateral imediato e mais inflação e/ou juros.

Em suma, trata-se de um bando de troglodita­s que lida com uma máquina complicada. Em tempos mais calmos, os brucutus cheiram e arranham a máquina. Na fúria, arrebentam tudo a bordoada, para ver se de lá sai uma banana, um ovo de ouro, dinheiro ou votos.

Quanto a Bolsonaro, claro, sempre foi isso. Além de tentar disfarçar sua laborfobia, ignorância e covardia (a culpa é sempre de outrem), exprime seu ressentime­nto do fracassado por meio de variações do desejo de matar: destrua-se o sistema, linchem os governador­es na epidemia, o STF em qualquer situação, os quilombola­s, o fiscal ambiental, os índios, os gays, a esquerdalh­a etc.

Tudo isso é muito velho, sabido por qualquer pessoa adulta e sã. A observação reiterada serve para lembrar o papel dos colaboraci­onistas mais disfarçado­s, os que chamavam o Brasil de “um país normal”, os que diziam “fora ruídos, vejo avanços” e os omissos em geral, das elites em particular.

Mais do que isso, serve para lembrar a essa gente: Bolsonaro não tem limite. Vai destruir o que estiver no caminho do seu projeto de tirano e de livrar a família da cadeia. Vai quebrar o país, se juntar a qualquer tipo miliciano ou centrão. Se puder, vai pegar você, a sua empresa e o seu dinheiro.

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