Presidente da Funai coleciona pedidos para apurar indígenas
Marcelo Xavier solicitou à Abin e à PF investigar defensores do ambiente
brasÍlia O presidente da Funai (Fundação Nacional do Índio), Marcelo Augusto Xavier da Silva, coleciona à frente do órgão pedidos de investigação contra indígenas e defensores da pauta ambiental.
A Folha teve acesso a três solicitações feitas por ele à Polícia Federal e uma direcionada à Abin (Agência Brasileira de Inteligência).
Xavier é delegado da PF e preside a Funai desde julho de 2019. Sua gestão é considerada alinhada às demandas de ruralistas e à proposta do presidente Jair Bolsonaro (PL) de barrar novas demarcações de terras indígenas.
Servidores da Funai anunciaram que entrarão em greve nesta quinta-feira (23). Uma das reivindicações é a saída de Xavier do cargo. Para a INA (Indigenistas Associados - Associação de Servidores da Funai), ele “vem promovendo uma gestão anti-indígena e anti-indigenista na instituição”.
A Funai foi procurada pela reportagem, mas não houve resposta até a conclusão desta edição.
Xavier apresentou uma notícia-crime à PF em 2020 contra Almir Suruí, liderança do povo paiter suruí e coordenadorexecutivo do Parlaíndio (Parlamento Indígena do Brasil).
O pedido foi feito após a divulgação da “Campanha Paiter: Povos da Floresta contra Covid-19”, com o objetivo de buscar contribuições para a distribuição de mantimentos para famílias do povo indígena paiter suruí na pandemia.
O ofício enviado pelo presidente da Funai diz que houve crimes de estelionato, a partir de suposta manipulação de informações com o fim de obter benefícios, e de difamação, por apresentar informações que em tese poderiam prejudicar a imagem da Funai.
Após um pedido de habeas corpus feito pela defesa de Suruí, o juiz federal Frederico Botelho de Barros Viana mandou trancar o inquérito. “Não há demonstração de existência de elementos probatórios e nem sequer indícios mínimos capazes de subsidiar qualquer tipo de ilícito”, disse. Segundo documento a que a Folha teve acesso, Xavier
“A gente tentou falar com ele [Marcelo Xavier] em junho do ano passado no acampamento Levante pela Terra. [...] Ele não nos recebeu e ficou combinado de falar no dia seguinte Sonia Guajajara coordenadora-executiva da Apib
também solicitou à Abin o monitoramento do povo paiter suruí. Para ele, foram divulgados dados inverídicos com relação ao enfrentamento da pandemia. A informação já tinha sido veiculada pela coluna do jornalista Rubens Valente, no UOL.
“Tendo em vista que a Atividade de Inteligência realizada por esta Agência Brasileira é fundamental e indispensável à segurança dos estados, sociedade e instituições nacionais e atua no conhecimento antecipado de assuntos relacionados aos interesses nacionais, encaminho para monitoramento”, afirmou no documento.
O presidente da Funai também apresentou uma notíciacrime à PF contra a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) em 2020.
Ele narrou em seu ofício que a Apib, por meio da série de vídeos denominada “Agora é a Vez do Maracá”, estaria culpando a administração Bolsonaro por genocídio. Alegou disseminação de fake news e calúnia contra o governo federal e crime de estelionato.
O ofício dizia também que a Apib havia difundido dados falsos para manipular a verdade acerca dos números de contágio e óbito relativos à Covid-19. Isso porque os dados divulgados divergiam dos da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena).
A coordenadora-executiva da Apib, Sonia Guajajara, chegou a ser convocada para prestar depoimento.
Após pedido de habeas corpus feito pela defesa da Apib, Viana também determinou o trancamento do inquérito em maio de 2021, dizendo que não há qualquer tipo de conduta que justificasse a abertura.
“A liberdade de manifestação do pensamento é direito fundamental que não apenas protege a esfera de direitos básicos do indivíduo em sua dimensão pessoal, mas que também viabiliza e compõem toda a estrutura democrática e republicana idealizada na Constituição Federal de 1988”, disse.
A Folha já tinha mostrado que o presidente da Funai provocou a abertura de um inquérito pela PF para investigar um procurador federal que atua na própria Funai e que elaborou um parecer jurídico a favor dos indígenas.
Xavier apresentou notíciacrime à PF em Brasília contra o procurador Ciro de Lopes e Barbuda, em razão do parecer elaborado pelo servidor vinculado à AGU (Advocacia-Geral da União) e com atuação na Funai. Xavier acusou o procurador de apologia do crime, e essa iniciativa resultou em inquérito na PF.
O Ministério Público Federal, porém, discordou da tramitação do procedimento, apontou crime de constrangimento ilegal na iniciativa do presidente da Funai e disse ser necessária imediata correção pelo Judiciário. O MPF pediu à Justiça Federal o arquivamento do caso.
Formado em direito, pósgraduado em ciências criminais, direito administrativo, direito constitucional e antropologia, Xavier foi indicado ao cargo por membros da bancada ruralista no Congresso.
Na Câmara, atuou como consultor da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) Funai e Incra, que teve início em 2016, quando foi criticado por líderes indígenas e organizações socioambientais.
Antes de ocupar a Presidência da Funai, Xavier foi ouvidor do órgão entre 2017 e 2018. Em 2017, afirmou em uma reunião gravada entre diretores e servidores que ONGs são “canalhas”, que a fundação fazia mal para os indígenas e que os servidores do órgão tinham “comprometimento ideológico”. Na mesma reunião, ele sugeriu “expropriar” bens de servidores e ONGs.
A nomeação de Xavier foi considerada por entidades que representam os indígenas como uma intenção do governo Bolsonaro de enfraquecer a fundação. Líderes indígenas dizem ter dificuldade de interlocução com Xavier.
“A gente tentou falar com ele em junho do ano passado no acampamento Levante pela Terra. Fomos em marcha porque ele disse que receberia algumas lideranças. Ele não nos recebeu e ficou combinado de falar no dia seguinte. Na ocasião, ele saiu da sala e deixou o pessoal conversando com os assistentes”, diz Guajajara.