Rede de coletivos falha estimula uso de carro e moto em Aracaju
Prefeitura diz que não dá para ‘tapar o sol com a peneira’ e promete melhorias
ArAcAju O casal de empreendedores Amanda da Silva Santos, 29, e Flavio Silva Romão, 26, perdeu a paciência com os ônibus na capital sergipana. Os dois compraram uma moto para se livrar do transporte público ineficiente e engrossaram o caldo daqueles que optaram por se deslocar por conta própria em veículos motorizados, na contramão do que prega a mobilidade sustentável.
Grande parte dos ônibus que circulam por Aracaju destoa do sistema viário relativamente bem organizado por onde passam muitos carros. São velhos, desconfortáveis, chegam atrasados e carregam pessoas espremidas umas contra as outras nos horários de pico. “Não ando de jeito nenhum. É a última opção”, diz Romão Maquininhas, como é conhecido o marido.
Também pesou no bolso a decisão de, após uma vida de passageiro, locomover-se sobre duas rodas, mesmo com o atual preço dos combustíveis. A tarifa é maior, por exemplo, do que aquela que se paga em São Paulo (R$ 4,40). “A passagem é cara. Pagar R$ 4,50 para pegar aqui [no Mercado] e descer na avenida Beira-Mar é um absurdo”, afirma Amanda.
Não bastasse tudo isso, o sistema ainda é afetado por greves de motoristas que chegam a passar meses sem salários e, não raramente, entram em desespero. “A gente tem um amigo que era motorista e, por duas ou três vezes, parou o ônibus no meio da rua, disse ‘quem souber dirigir que dirija’ e saiu correndo. Surtou”, conta Amanda.
A Folha ouviu de diversos passageiros que não é incomum se organizarem para comprar e distribuir cestas básicas aos conhecidos que trabalham no transporte público, afetados pela falta de salário.
“Já pediram cestas básicas por trabalhar com fome. É uma situação muito vergonhosa”, diz a secretária Sandra Maria dos Santos, 41, que mora no extremo da zona sul aracajuana e critica também os atrasos frequentes.
A experiência dos passageiros com o transporte público da capital é um exemplo de um aspecto que o Índice Folha de Mobilidade Urbana não conseguiu captar em razão da falta de dados por parte do poder público no país.
Em uma manhã de maio, a estagiária Tauana da Silva Araújo, 20, foi “ejetada” durante o desembarque no Terminal DIA. Saiu esbaforida do coletivo, abanando-se com as mãos. “Estou sem ar, porque fiquei apertada dentro do ônibus. Sempre, todo dia é isso.”
Entre os ônibus sucateados que rodam em Aracaju, muitos carregam placas de outros municípios, como Salvador (BA) e Blumenau (SC), sinal de que já não serviam mais a baianos e catarinenses quando foram ofertados aos sergipanos. Segundo motoristas, tem veículo que está há mais de duas décadas em operação.
A falta de estrutura do transporte é ainda mais cruel com pessoas que têm alguma deficiência física. Desempregado, o técnico de segurança eletrônica Maycon Douglas Albuquerque Rocha, 31, relatou problemas nos acessos aos terminais e nos elevadores dos ônibus, constantemente quebrados.
“A maioria de nós, cadeirantes, depende do transporte público, porque não tem dinheiro para comprar um carro”, explica. “Não tem como dizerem que estão fazendo algo pelo povo, porque não estão”, acrescenta, enquanto aguardava o coletivo no terminal Maracaju, na periferia da cidade. No local, banheiros destruídos e pavimento irregular compõem o cenário.
Para especialistas, falta uma visão concentrada no transporte público. “Aracaju tem quase 700 mil habitantes e 350 mil veículos. Tem um problema sério, porque o plano de mobilidade, de 2012, não contemplou as necessidades da cidade”, conta Antonio Carlos Campos, professor de planejamento urbano da Universidade Federal de Sergipe.
“O que acontece são algumas tentativas de se criar corredores de ônibus que ainda não foram inaugurados”, diz ele. “A prefeitura não consegue, desde 2012, fazer uma licitação de transporte público”, conta, citando ainda a proliferação do uso de táxis, mototáxis e aplicativos como algo que sobrecarrega a malha viária.
O pesquisador Matheus Barboza desenvolveu, em parceria com Diego Tomasiello, nota técnica para o CEM (Centro de Estudos da Metrópole), da USP, na qual aponta que falta planejamento à capital sergipana. “O último plano diretor é de 2000, está em revisão, mas travado”, afirma.
“A mobilidade sustentável aparece como diretriz, mas, na prática, isso some. O plano diretor passa a incentivar os deslocamentos por carro. Detalha hierarquia viária, estacionamentos”, diz. Segundo Barboza, as frotas de automóveis e motocicletas de Aracaju cresceram 19% e 46%, respectivamente, na última década.
Superintendente de Trânsito e Transporte de Aracaju, Renato Telles conta que a cidade tem implementado mudanças perenes. “Grande parte das obras de infraestrutura vêm acompanhadas de calçada, acessibilidade e ciclovias.
A gente vem avançando nos bairros periféricos”, conta, mencionando ainda a construção de corredor de ônibus e reforma de terminais.
Segundo Telles, o sistema de transporte local, que é também metropolitano, tem sofrido com dificuldades de financiamento, o que levou a prefeitura a fazer aporte de recursos para amenizar o quadro.
Ainda assim, diz reconhecer os problemas do sistema. “Não dá para tapar o sol com a peneira.” Sobre os ônibus sucateados, promete melhorias. “Começamos a receber no próximo mês 30 novos ônibus, que para o nosso sistema representam quase 10%. Até agosto, mais 20. No horizonte de quase 60 dias. Vamos substituir a frota em quase 20%.”
Telles também cita a importância de se implementar logo o novo plano diretor, que está sendo finalizado para ser apresentado aos vereadores.
O superintendente conta que se mudou de São Paulo para a capital sergipana há mais de dez anos e que nota uma dificuldade de fazer com que os aracajuanos optem pela mobilidade ativa. “A população mediana de Aracaju vai continuar usando carro, por uma questão climática. Aqui é quente e úmido.”
Ele diz que mora em uma região onde, nas proximidades, tem supermercados e grandes redes de lanchonetes. “Quando preciso, vou a pé e sou visto como um ET por sair no sol, com calor, mesmo para andar cem metros.”
Apesar disso, reconhece que a prefeitura deve promover a mobilidade para além dos carros, inclusive com ciclovias.
“A gente tem um amigo que era motorista e, por duas ou três vezes, parou o ônibus no meio da rua, disse ‘quem souber dirigir que dirija’ e saiu correndo. Surtou Amanda da Silva Santos empreendedora