Folha de S.Paulo

Rede de coletivos falha estimula uso de carro e moto em Aracaju

Prefeitura diz que não dá para ‘tapar o sol com a peneira’ e promete melhorias

- William Cardoso e Rubens Cavallari

ArAcAju O casal de empreended­ores Amanda da Silva Santos, 29, e Flavio Silva Romão, 26, perdeu a paciência com os ônibus na capital sergipana. Os dois compraram uma moto para se livrar do transporte público ineficient­e e engrossara­m o caldo daqueles que optaram por se deslocar por conta própria em veículos motorizado­s, na contramão do que prega a mobilidade sustentáve­l.

Grande parte dos ônibus que circulam por Aracaju destoa do sistema viário relativame­nte bem organizado por onde passam muitos carros. São velhos, desconfort­áveis, chegam atrasados e carregam pessoas espremidas umas contra as outras nos horários de pico. “Não ando de jeito nenhum. É a última opção”, diz Romão Maquininha­s, como é conhecido o marido.

Também pesou no bolso a decisão de, após uma vida de passageiro, locomover-se sobre duas rodas, mesmo com o atual preço dos combustíve­is. A tarifa é maior, por exemplo, do que aquela que se paga em São Paulo (R$ 4,40). “A passagem é cara. Pagar R$ 4,50 para pegar aqui [no Mercado] e descer na avenida Beira-Mar é um absurdo”, afirma Amanda.

Não bastasse tudo isso, o sistema ainda é afetado por greves de motoristas que chegam a passar meses sem salários e, não raramente, entram em desespero. “A gente tem um amigo que era motorista e, por duas ou três vezes, parou o ônibus no meio da rua, disse ‘quem souber dirigir que dirija’ e saiu correndo. Surtou”, conta Amanda.

A Folha ouviu de diversos passageiro­s que não é incomum se organizare­m para comprar e distribuir cestas básicas aos conhecidos que trabalham no transporte público, afetados pela falta de salário.

“Já pediram cestas básicas por trabalhar com fome. É uma situação muito vergonhosa”, diz a secretária Sandra Maria dos Santos, 41, que mora no extremo da zona sul aracajuana e critica também os atrasos frequentes.

A experiênci­a dos passageiro­s com o transporte público da capital é um exemplo de um aspecto que o Índice Folha de Mobilidade Urbana não conseguiu captar em razão da falta de dados por parte do poder público no país.

Em uma manhã de maio, a estagiária Tauana da Silva Araújo, 20, foi “ejetada” durante o desembarqu­e no Terminal DIA. Saiu esbaforida do coletivo, abanando-se com as mãos. “Estou sem ar, porque fiquei apertada dentro do ônibus. Sempre, todo dia é isso.”

Entre os ônibus sucateados que rodam em Aracaju, muitos carregam placas de outros municípios, como Salvador (BA) e Blumenau (SC), sinal de que já não serviam mais a baianos e catarinens­es quando foram ofertados aos sergipanos. Segundo motoristas, tem veículo que está há mais de duas décadas em operação.

A falta de estrutura do transporte é ainda mais cruel com pessoas que têm alguma deficiênci­a física. Desemprega­do, o técnico de segurança eletrônica Maycon Douglas Albuquerqu­e Rocha, 31, relatou problemas nos acessos aos terminais e nos elevadores dos ônibus, constantem­ente quebrados.

“A maioria de nós, cadeirante­s, depende do transporte público, porque não tem dinheiro para comprar um carro”, explica. “Não tem como dizerem que estão fazendo algo pelo povo, porque não estão”, acrescenta, enquanto aguardava o coletivo no terminal Maracaju, na periferia da cidade. No local, banheiros destruídos e pavimento irregular compõem o cenário.

Para especialis­tas, falta uma visão concentrad­a no transporte público. “Aracaju tem quase 700 mil habitantes e 350 mil veículos. Tem um problema sério, porque o plano de mobilidade, de 2012, não contemplou as necessidad­es da cidade”, conta Antonio Carlos Campos, professor de planejamen­to urbano da Universida­de Federal de Sergipe.

“O que acontece são algumas tentativas de se criar corredores de ônibus que ainda não foram inaugurado­s”, diz ele. “A prefeitura não consegue, desde 2012, fazer uma licitação de transporte público”, conta, citando ainda a proliferaç­ão do uso de táxis, mototáxis e aplicativo­s como algo que sobrecarre­ga a malha viária.

O pesquisado­r Matheus Barboza desenvolve­u, em parceria com Diego Tomasiello, nota técnica para o CEM (Centro de Estudos da Metrópole), da USP, na qual aponta que falta planejamen­to à capital sergipana. “O último plano diretor é de 2000, está em revisão, mas travado”, afirma.

“A mobilidade sustentáve­l aparece como diretriz, mas, na prática, isso some. O plano diretor passa a incentivar os deslocamen­tos por carro. Detalha hierarquia viária, estacionam­entos”, diz. Segundo Barboza, as frotas de automóveis e motociclet­as de Aracaju cresceram 19% e 46%, respectiva­mente, na última década.

Superinten­dente de Trânsito e Transporte de Aracaju, Renato Telles conta que a cidade tem implementa­do mudanças perenes. “Grande parte das obras de infraestru­tura vêm acompanhad­as de calçada, acessibili­dade e ciclovias.

A gente vem avançando nos bairros periférico­s”, conta, mencionand­o ainda a construção de corredor de ônibus e reforma de terminais.

Segundo Telles, o sistema de transporte local, que é também metropolit­ano, tem sofrido com dificuldad­es de financiame­nto, o que levou a prefeitura a fazer aporte de recursos para amenizar o quadro.

Ainda assim, diz reconhecer os problemas do sistema. “Não dá para tapar o sol com a peneira.” Sobre os ônibus sucateados, promete melhorias. “Começamos a receber no próximo mês 30 novos ônibus, que para o nosso sistema representa­m quase 10%. Até agosto, mais 20. No horizonte de quase 60 dias. Vamos substituir a frota em quase 20%.”

Telles também cita a importânci­a de se implementa­r logo o novo plano diretor, que está sendo finalizado para ser apresentad­o aos vereadores.

O superinten­dente conta que se mudou de São Paulo para a capital sergipana há mais de dez anos e que nota uma dificuldad­e de fazer com que os aracajuano­s optem pela mobilidade ativa. “A população mediana de Aracaju vai continuar usando carro, por uma questão climática. Aqui é quente e úmido.”

Ele diz que mora em uma região onde, nas proximidad­es, tem supermerca­dos e grandes redes de lanchonete­s. “Quando preciso, vou a pé e sou visto como um ET por sair no sol, com calor, mesmo para andar cem metros.”

Apesar disso, reconhece que a prefeitura deve promover a mobilidade para além dos carros, inclusive com ciclovias.

“A gente tem um amigo que era motorista e, por duas ou três vezes, parou o ônibus no meio da rua, disse ‘quem souber dirigir que dirija’ e saiu correndo. Surtou Amanda da Silva Santos empreended­ora

 ?? Fotos Rubens Cavallari/Folhapress ?? Terminal Maracaju, no bairro Santos Dumont, na capital sergipana; de acordo com superinten­dente, sistema público tem sofrido com dificuldad­es de financiame­nto
Fotos Rubens Cavallari/Folhapress Terminal Maracaju, no bairro Santos Dumont, na capital sergipana; de acordo com superinten­dente, sistema público tem sofrido com dificuldad­es de financiame­nto
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