Modelo ‘3D’ desafia Porto Velho, que conta com apenas 86 ônibus
Capital mais extensa do Brasil apresenta cenário disperso, distante e desconectado
PORTO VELHO Uma cidade “3D”. Ou seja, dispersa, distante e desconectada. É assim que Porto Velho é descrita por especialistas em uma das versões do plano de mobilidade produzido em 2021 e que, se aprovado, deverá guiar os rumos da capital de Rondônia pelos próximos anos.
No dia a dia da população porto-velhense, isso significa uma lonjura sem fim, com bairros que surgem nas franjas do município, onde não se sabe ao certo o que é perímetro urbano ou zona rural.
Trata-se de um dos piores cenários para a mobilidade, porque encarece o sistema de transporte público, dificulta o deslocamento a pé ou com bicicleta e obriga o cidadão a gastar tempo e dinheiro para chegar até a região central, que concentra a maior oferta de empregos.
As dimensões são colossais. Em área, Porto Velho é a maior das 27 capitais brasileiras. Com 34 mil km², o município tem mais território que os estados de Sergipe (21,9 mil km²) e Alagoas (27,8 mil km²).
No Índice Folha de Mobilidade Urbana, Porto Velho é caracterizada como uma cidade com dificuldades para atingir a mobilidade sustentável em um prazo razoável.
Quem vê a cozinheira Crislane Santos Meireles, 27, caminhando ao lado de um terreno baldio, no início da manhã, desde o assentamento Nova Canaã até o último ponto de ônibus do bairro Ulisses Guimarães, na zona leste, percebe o porquê. O ponto de ônibus instalado perto da casa dela está pichado e desativado, na estrada dos Periquitos, obrigando-a a caminhar algumas centenas de metros.
A frequência dos ônibus, de até uma em uma hora, em alguns momentos, já tirou o ânimo da cozinheira e no passado a fez buscar alternativas. Uma opção foi o táxi compartilhado, uma espécie de lotação criada por parte dos taxistas e, ao lado de aplicativos e mototáxis, concorrente do transporte público oficial. Mas a viagem por R$ 7 ou R$ 9 inviabilizou o uso diário —a passagem de ônibus pode sair por até R$ 3.
“É complexo de administrar, sem contar que é uma criança perto de São Paulo. Tem muito ainda a ser feito. Dentro da estrutura atual, não temos como conectar, como aglomerar rosana Matos coordenadora do plano de mobilidade de Porto Velho
“O que sobra do meu salário dá R$ 900. E desses R$ 900 tenho que fazer milagre”, diz. Nesse extremo de Porto Velho, ela também convive com a insegurança. Já foi assaltada sete vezes enquanto esperava ônibus ou voltava para casa.
O taxista José Alves, 75, tem 12 clientes fixos, moradores da periferia, que cansaram de esperar nos pontos e se veem obrigados a gastar mais pelo que deveria ser um direito. “Quem não trabalha sábado paga R$ 35 por semana. Se for para pegar em casa, eles pagam R$ 3 a mais [por viagem].”
Parte das linhas de ônibus da capital de Rondônia tem mais de 40 km, ida e volta. Com isso, para manter uma frequência razoável, são necessários muitos veículos no “carrossel”, algo indisponível hoje.
Reginaldo Mascarenhas Barbosa, 53, já está aposentado, mas faz questão de ir ao centro diariamente. Morador do bairro Socialista, ele precisa pegar o coletivo com destino ao bairro Orgulho do Madeira para voltar para casa. “Demora de 45 minutos a uma hora para passar”, conta. No fim de semana, o dobro de espera.
Tanta demora já fez com que procurasse uma alternativa por conta própria, porém esbarrou em uma dificuldade que o impediu de ter a CNH. “Já tentei cinco vezes fazer a baliza, mas fui reprovado.”
O fato é que muita gente mais habilidosa na condução compra carro ou moto. Tanto que cruzamentos como os das avenidas 7 de Setembro e Governador Jorge Teixeira, na região central, ficam coalhados de veículos no fim de tarde.
Também busca uma solução pessoal quem roda longe dali. O borracheiro Rafael Paulo Vaz Pereira, 27, passou a viver com a mulher, a dona de casa Mariceli Pereira Lira, 31, e o filho, João Caleb, 4, em um bairro da zona rural próximo da mancha urbana. Não teve dúvida em comprar uma motocicleta, sobre a qual leva todo mundo. Foi a única opção viável de transporte por uma região onde ônibus não passa.
Pereira cruzou com a reportagem por uma estrada de terra à margem esquerda do rio Madeira. Além da mulher e do filho, levava varas de pescar, muda de roseira e mochilas. O borracheiro sonha com uma expansão da cidade mata adentro, o que é o pesadelo de especialistas em transporte. “A gente espera, porque, chegando mais gente, quem sabe não facilita as coisas?”
A arquiteta e urbanista Raísa Tavares participou da revisão do plano diretor e explica que a cidade sofreu diversas explosões habitacionais, principalmente aquelas motivadas pela construção de hidrelétricas nas proximidades.
Também cita outras questões ocorridas ao longo do tempo.
“O processo de regulação fundiária é diferente do restante do Brasil. São áreas muito grandes, com interesse de serem ocupadas. Isso aconteceu sem o acompanhamento do Executivo, sem planejamento”, diz Raísa.
A coordenadora do plano de mobilidade de Porto Velho, Rosana Matos, reconhece as dificuldades. “É complexo de administrar, sem contar que é uma criança perto de São Paulo. Tem muito ainda a ser feito. Dentro da estrutura atual, não temos como conectar, como aglomerar.”
Sobre as dificuldades no transporte público, ela diz que, durante a pandemia, havia 35 ônibus para atendera todo o município, cuja população supera meio milhão de pessoas. Hoje, são 86 veículos.
A especialista afirma que a demanda tem aumentado. Em abril de 2021, os 35 transportavam 6.000 passageiros por dia útil. Hoje, os 86 transportam 41 mil, em média .“Agente coloca ônibus e não supre. É aquela labuta todo dia. Parece que está sempre faltando. Quanto mais coloca, mais a demanda cresce .” Antes da pandemia,já foram transportados até 110 mil passageiros por dia.
Além do arrefecimento da Covid-19, a alta do preço dos combustíveis tem devolvido passageiros aos poucos, segundo Rosana. A coordenadora do plano de mobilidade diz que a alternativa número um éinjet armais ônibus no sistema eque a prefeitura trata sobreis soco ma empresa—o transporte na cidade não é licitado, mas concedido.
O contrato, por sinal, prevê o atendimento só em área urbana. Por esse motivo, bairros novos, que oficialmente ainda estão na zona rural, ficam descobertos pelo transporte público, segundo Rosana.
A especialista diz que a elaboração do plano de mobilidade passou por vários entraves, mas agora está bem encaminhado. “Já está prontinho. Entregamos em 8 de dezembro de 2021, aprovado pela população. Agora, está aguardando a aprovação da Câmara para legitimar.”