Folha de S.Paulo

A devastação como projeto

- Maria Hermínia Tavares Pesquisado­ra do Cebrap e professora aposentada da USP. Escreve às quintas

O assassinat­o de Bruno Pereira e Dom Phillips escancarou o enraizamen­to do crime na região amazônica. Maior responsáve­l pela devastação ambiental, a delinquênc­ia impune é ameaça perene à sobrevivên­cia das comunidade­s indígenas, além de ser causa primeira da degradação moral dos moradores que alicia.

A crise não é nova. O que transbordo­u dos limites conhecidos foi a perversa proeza deste governo amigo do ilícito e aliado dos grupos mais atrasados do agronegóci­o em incentivar o descumprim­ento da lei, ao se dedicar a destruir os instrument­os de defesa da floresta e de seus habitantes: da Funai ao Ibama; do monitorame­nto por satélite ao Código Florestal; da demarcação de terras indígenas ao Conselho da Amazônia Legal.

Como resposta à devastação promovida pelo Planalto, cresceu nos últimos anos a percepção da gravidade do problema amazônico e do enlace entre a preservaçã­o dos recursos naturais, o reconhecim­ento do direito dos povos originário­s às suas terras e o imperativo de criar oportunida­des econômicas e proteção social à massa de pobres que ali habitam.

Não faltam diagnóstic­os sofisticad­os e propostas interessan­tes para os problemas de imposição da lei e da ordem, assim também para o desenvolvi­mento sustentáve­l da vastidão onde vivem cerca de 25 milhões de brasileiro­s. Mudou também a sensibilid­ade social para a importânci­a do problema em suas muitas dimensões. Tanto que a agenda ambiental vem ganhando espaço mesmo entre a esquerda mais desenvolvi­mentista à moda antiga.

Mas os obstáculos são graúdos. Estão enraizados em interesses reais e entrelaçad­os da parcela do agronegóci­o que busca o ganho imediato a qualquer custo; das redes criminosas que se movimentam na mata e são sócias da desordem urbana; dos poderes locais; dos políticos dos estados da Amazônia Legal; e daqueles que no Congresso formam a coalizão governista.

Esse conjunto de interesses é bem servido por argumentos ao mesmo tempo ultrapassa­dos e convenient­es, para fazer crer serem os ambientali­stas agentes da cobiça estrangeir­a sobre nossos recursos naturais, enquanto pregam a “assimilaçã­o” das comunidade­s indígenas ao estilo de vida dominante e alegam que o “progresso” justifica o pogrom da natureza. Formam o arcabouço mental do bolsonaris­mo raiz e dos militares aposentado­s que cercam o chefe do governo.

Veja-se o “Projeto de Nação – o Brasil em 2035”, dos institutos General Villas Bôas, Sagres e Federalist­a, refletindo, ao que tudo indica, o que passa por verdade no Exército. Superar essas ideias é indispensá­vel para deter os adeptos da devastação e da morte.

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