Folha de S.Paulo

Loteamento religioso

- Bruno Boghossian

Jair Bolsonaro não instalou por acaso um pastor no comando do Ministério da Educação em seu segundo ano de governo. O presidente ofereceu a grupos religiosos um palanque ideológico e influência sobre operações milionária­s com dinheiro público. Em troca, poderia reforçar suas conexões com o segmento evangélico e aproveitar os benefícios políticos dessa relação.

A aliança reproduziu a lógica de loteamento que Bolsonaro sempre tentou disfarçar. As suspeitas de corrupção sobre o ex-ministro Milton Ribeiro e os pastores que gerenciava­m um balcão de negócios no MEC mostram que um dos principais grupos de sustentaçã­o política do presidente estava muito bem servido no acesso aos cofres do governo.

A assinatura do próprio Bolsonaro está no contrato dessa parceria. Numa gravação revelada pela Folha em março, Ribeiro disse que atenderia a um “pedido especial” do presidente e daria prioridade à liberação de verba intermedia­da pelos pastores.

Bolsonaro e o ex-ministro nunca negaram esse laço com os investigad­os. Ribeiro chegou a dizer que o chefe só havia pedido que os pastores fossem recebidos no governo, mas essa desculpa não melhorou a situação: a dupla esteve mais de 100 vezes no MEC e outras 45 vezes no Palácio do Planalto.

A PF investiga se os pastores usavam esse acesso para facilitar a liberação de recursos públicos em troca de propina. Um prefeito acusa a dupla de ter pedido uma barra de ouro para direcionar a verba.

A prisão de Ribeiro atinge Bolsonaro porque o ex-ministro é um elo conhecido entre o capitão e os pastores. Não há indícios de que o presidente tenha recebido dinheiro no esquema, mas será difícil afastá-lo completame­nte da cena do crime se a corrupção ficar comprovada.

O escândalo não deve abalar a consolidad­a relação entre Bolsonaro e líderes evangélico­s, mas arrasa a retórica anticorrup­ção do presidente. O esquema dos pastores não difere em nada daqueles protagoniz­ados por partidos políticos.

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