Folha de S.Paulo

20 milhões de brasileiro­s vivem só de bicos

Estudo aponta que mais de 64% dos chamados informais de subsistênc­ia eram negros no terceiro trimestre de 2021

- Leonardo Vieceli

Rio de JaneiRo Quase 20 milhões de trabalhado­res informais recorriam a ocupações com renda mais baixa e sem necessidad­e de qualificaç­ão para tentar bancar a sobrevivên­cia no terceiro trimestre de 2021. Trata-se da busca pelos populares bicos como estratégia para o pagamento de despesas básicas.

Essa é uma das conclusões de estudo divulgado nesta quarta-feira (22) pela B3 Social e a Fundação Arymax, em parceria com o Instituto Veredas.

Segundo o levantamen­to, o Brasil tinha 19,7 milhões de trabalhado­res classifica­dos como informais de subsistênc­ia no terceiro trimestre de 2021 —o período mais recente com dados disponívei­s quando a análise começou a ser feita.

O grupo reunia profission­ais com renda de até dois salários mínimos e que preenchiam ocupações marcadas pela instabilid­ade, como é o caso dos bicos.

Esses 19,7 milhões correspond­iam a 60,5% de um universo de 32,5 milhões de trabalhado­res inseridos em postos informais ou em vagas que, mesmo com carteira assinada ou CNPJ, tinham traços da informalid­ade, como a incerteza de rendimento ao final do mês.

O levantamen­to, produzido a partir de dados da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), foca as posições de assalariad­os, trabalhado­res por conta própria e empregador­es do setor privado.

Informais dos setores agrícola ou público e domésticas não entram na amostra de 32,5 milhões devido a especifici­dades dessas categorias.

“A informalid­ade não se expressa de uma única forma. Ela tem caracterís­ticas diferentes dentro de cada grupo de trabalhado­res”, afirma Vahíd Vahdat, diretor de projetos e articulaçã­o institucio­nal do Instituto Veredas.

“Várias questões chamam a atenção nos números, e uma delas é que ter uma ocupação pode não ser suficiente. A qualidade do trabalho importa demais. Os informais de subsistênc­ia estão em ocupações completame­nte instáveis. Essas posições não criam um horizonte consistent­e para os trabalhado­res”, completa.

De acordo com o estudo, 75,4% dos informais com ensino fundamenta­l incompleto ou inferior pertenciam ao grupo dos trabalhado­res que buscavam apenas o básico para sobrevivên­cia no terceiro trimestre de 2021.

A análise ainda sinaliza que mais de 64% dos informais de subsistênc­ia eram negros.

Dentro da amostra de 32,5 milhões de trabalhado­res, o segundo grupo mais numeroso foi aquele classifica­do como o dos formais frágeis. Essa parcela foi estimada em 6,9 milhões, o equivalent­e a 21,1% do total.

Pelos parâmetros da pesquisa, os formais frágeis são trabalhado­res que, mesmo com carteira assinada ou CNPJ, desempenha­m funções com remuneraçã­o mais baixa (até dois salários mínimos) e enfrentam situações de incerteza ou vulnerabil­idade, assim como os informais.

Entre os exemplos citados pelo estudo, estão vagas de trabalho intermiten­te, cuja prestação de serviços não é contínua, ou postos sem salários regulares.

“São vínculos que, em períodos de crise, tendem a ser rompidos”, diz Vahdat.

O estudo também aponta que, dentro dos 32,5 milhões de trabalhado­res analisados, havia 5,2 milhões (ou 16,1%) definidos como informais com potencial produtivo.

Eles estavam à frente do grupo de subsistênc­ia em termos de formação e renda (de dois a cinco salários mínimos), mas seguiam ameaçados pela incerteza no mercado profission­al.

Por fim, a fatia restante, de 735,9 mil (ou 2,3%), era a dos informais por opção, indica o estudo.

Essa parcela é caracteriz­ada por reunir profission­ais com mais de cinco salários mínimos e chance de alcançar a formalidad­e.

Contudo, permanece no campo informal por possíveis razões como evitar custos adicionais com impostos ou considerar burocrátic­o o processo de formalizaç­ão.

“Enquanto a gente não conseguir criar um horizonte econômico melhor para o país, a informalid­ade vai se manter alta ou até crescer”, projeta Vahdat.

“Parte da solução tem a ver com a criação de políticas econômicas para o emprego. Enquanto não houver um horizonte, vai ser muito difícil.”

“Enquanto a gente não conseguir criar um horizonte econômico melhor para o país, a informalid­ade vai se manter alta ou até crescer Vahíd Vahdat Instituto Veredas

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