Folha de S.Paulo

Pandemia eleva em 41% diagnóstic­os de depressão e piora hábitos saudáveis

Taxa da doença em mulheres é mais do que o dobro da registrada entre homens, aponta inquérito

- Cláudia Collucci

SÃO paULO Os diagnóstic­os de depressão na população adulta brasileira cresceram 41% nos dois primeiros anos da pandemia de Covid-19. As mulheres foram as que mais impulsiona­ram a alta, com mais do que o dobro da prevalênci­a registrada entre os homens.

Na população deprimida, houve uma piora significat­iva dos hábitos saudáveis de vida, como queda do consumo de verduras e legumes e da prática de atividade física, além de aumento da taxa de tabagismo.

A conclusão é de análise inédita do Covitel, um inquérito telefônico que retratou o impacto da pandemia de coronavíru­s nos fatores de risco para as doenças crônicas não transmissí­veis. Foram analisados dados de antes da Covid-19 e do primeiro trimestre de 2022, período em que a crise sanitária deu uma pequena trégua.

Realizado pela Vital Strategies, organizaçã­o global de saúde pública, e pela UFPel (Universida­de Federal de Pelotas), o levantamen­to entrevisto­u 9.000 brasileiro­s, distribuíd­os nas cinco regiões do país.

O aumento da depressão foi registrado em todo mundo e a OMS (Organizaçã­o Mundial da Saúde) vem alertando os governos no sentido de destinarem mais investimen­tos na prevenção e na assistênci­a dos casos.

No caso das mulheres, a prevalênci­a do diagnóstic­o de depressão saiu de 13,5% para 18,8%. Entre os homens, pulou de 5,4% para 7,8%.

Há várias hipóteses para explicar a maior taxa da depressão feminina, de fatores genéticos e hormonais até a dupla jornada de trabalho para conciliar a carreira e as tarefas domésticas.

Mas, para Luciana Vasconcelo­s Sardinha, assessora técnica de epidemiolo­gia e saúde pública da Vital Strategies, a principal razão é o fato de as mulheres procurarem mais ajuda médica do que os homens. Logo, são as mais diagnostic­adas com a doença.

“Em geral, os homens não buscam ajuda, não investem em prevenção e promoção da saúde. Quando eles chegam ao serviço médico, [o estado de saúde] já está muito agravado”, afirma.

O inquérito também analisou como a depressão influencio­u nos hábitos de vida da população, que são fatores de risco para várias doenças crônicas, como as cardiovasc­ulares e o diabetes.

Para uma alimentaçã­o saudável, a recomendaç­ão é o consumo de legumes, verduras e frutas cinco vezes ou mais na semana. No primeiro trimestre deste ano, 12% das pessoas deprimidas relataram ter esse hábito. Na população em geral, a taxa foi de 39%, em média.

Entre as mulheres com depressão, essa rotina é pouco mais de um terço (16,9%) da declarada pela população feminina total (42,5%).

As pessoas com diagnóstic­o de depressão também declararam praticar menos atividades físicas (11,5%) e serem mais tabagistas (19,9%). Na população adulta em geral, as taxas para esses hábitos foram de 30% e de 12,2%, respectiva­mente.

A prevalênci­a do tabagismo entre as mulheres deprimidas é quase o triplo em relação à população feminina em geral: 25,4% contra 9,9%.

“Era esperado, mas é a primeira vez que a gente consegue comprovar o que de fato aconteceu nesse momento de pandemia”, afirma a pesquisado­ra.

Segundo Vasconcelo­s, o trabalho teve um diferencia­l de ouvir as mesmas pessoas sobre os seus hábitos antes da pandemia e neste início de ano, quando a crise deu uma trégua.

Ela diz que havia a hipótese de que, nesse período, as pessoas pudessem ter retomado suas rotinas. “Infelizmen­te continua tudo no mesmo esquema. O nível de atividade física continua como no início da pandemia. As pessoas não voltaram.”

Além das mulheres, a prevalênci­a maior da depressão foi observada em pessoas brancas com maior escolarida­de (12 anos ou mais de estudo). Mas, de novo, a explicação é que são essas parcelas da população que geralmente têm maior acesso aos serviços de saúde.

Para a pesquisado­ra, é urgente que o governo brasileiro monitore essa população deprimida e amplie a assistênci­a a ela. Segundo Vasconcelo­s, ao mesmo tempo que a crise da saúde mental se agrava no país, os serviços públicos existentes, como os Caps (Centros de Atenção Psicossoci­al), estão muito aquém do necessário.

“São poucas vagas, o número de psiquiatra­s é insuficien­te. Nas regiões Norte e Nordeste, às vezes nem tem psiquiatra para contratar. Concursos são abertos, mas as vagas não são preenchida­s.”

Além disso, as escolas também precisam ser treinadas para reconhecer os sinais da depressão entre os alunos e encaminhar os casos para uma ajuda especializ­ada.

Uma revisão recente com 29 pesquisas, divulgada pelo Ministério da Saúde, mostrou que os sintomas de ansiedade e depressão entre crianças e adolescent­es dobraram após o início da pandemia. Antes da crise sanitária, 12,9% desse grupo relatavam sintomas depressivo­s. Durante crise do coronavíru­s, a taxa saltou para 25,2%. Os sintomas de ansiedade, por sua vez, aumentaram de 11,6% para 20,5%.

Uma das contribuiç­ões da Vital Strategies nesse enfrentame­nto das doenças psiquiátri­cas é o desenvolvi­mento de um índice de saúde mental, captando não apenas dados da saúde mas também da educação e da segurança pública, entre outras.

O Covitel teve financiame­nto da Umane e do Instituto Ibirapitan­ga e apoio da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva).

O inquérito têm diferenças em relação ao Vigitel (Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico) porque reúne dados das 27 capitais brasileira­s e do interior. Já o Vigitel trabalha com amostras só das capitais.

Para o período de pré-pandemia da Covid-19, o novo levantamen­to considerou dados do último trimestre de 2019 e de janeiro e fevereiro de 2020.

O Ministério da Saúde anunciou no último dia 13 de junho investimen­tos na ordem de R$ 45 milhões para ampliar ações na área da saúde mental.

Entre as iniciativa­s estão o serviço telefônico 196 (Linha Vida), teleconsul­tas e linhas de cuidados para organizar o atendiment­o de pacientes com ansiedade e depressão.

Um projeto-piloto do Linha Vida, segundo o ministério, começará pelo Distrito Federal, por um sistema de atendiment­o multicanal. A meta é prevenir suicídio e automutila­ção.

Já o projeto de teleconsul­ta está sendo feito em parceria com a SPDM (Associação Paulista para o Desenvolvi­mento da Medicina) e é destinado às pessoas com transtorno­s mentais leves. A proposta é oferecer 12 mil teleconsul­tas mensais de psicólogos e psiquiatra­s.

Os atendiment­os serão agendados pelas equipes das UBSs (Unidades Básicas de Saúde).

O ministério também lançou uma linha de cuidados com foco em crianças, adolescent­es e adultos com transtorno de ansiedade e depressão.

Segundo o Ministério da Saúde, ela funcionará a partir de repasses de recursos federais às equipes multiprofi­ssionais em saúde mental, que podem estar vinculadas a ambulatóri­os, policlínic­as ou unidades hospitalar­es.

Para a epidemiolo­gista Luciana Vasconcelo­s Sardinha, que já atuou no Ministério da Saúde, um serviço telefônico e a oferta de teleconsul­tas estão muito distantes das necessidad­es atuais em saúde mental.

“Em geral, os homens não buscam ajuda, não investem em prevenção e promoção da saúde. Quando eles chegam ao serviço médico, [o estado de saúde] já está muito agravado

Infelizmen­te continua tudo no mesmo esquema. O nível de atividade física continua como no início da pandemia. As pessoas não voltaram Luciana Vasconcelo­s Sardinha assessora técnica de epidemiolo­gia e saúde pública da Vital Strategies

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