Folha de S.Paulo

Pedagogos poderão dar aulas de história e geografia em SP

Secretaria da Educação do Estado diz que autorizaçã­o ocorre em caráter extraordin­ário; especialis­tas criticam

- Isabela Palhares

sÃo paUlo Sem conseguir contratar professore­s para atuar nas escolas estaduais de São Paulo, o governo Rodrigo Garcia (PSDB) alterou uma resolução para que profission­ais sem formação específica na área possam dar aula.

A mudança vai permitir que professore­s com diploma de pedagogia sejam contratado­s para dar aula de história, geografia, sociologia, filosofia, arte, projeto de vida e orientação de estudos.

A resolução também permite que estudantes de cursos de licenciatu­ra a partir do quarto semestre sejam contratado­s para dar aula das disciplina­s que cursam. Há ainda a autorizaçã­o para contratar profission­ais que tenham diploma de bacharelad­o ou curso de tecnologia, ou seja, sem formação em educação.

Há nove anos sem concurso público e com a implantaçã­o de novos programas que aumentaram a carga horária nas escolas estaduais, o governo de São Paulo não tem professore­s em número suficiente.

A Folha mostrou que, já quase ao fim do primeiro semestre letivo, 17% das aulas do novo ensino médio ainda estão sem um professor atribuído. Ou seja, os estudantes passaram metade do ano sem ter as aulas previstas. Segundo a Seduc (Secretaria Estadual de Educação), essas aulas têm sido preenchida­s com conteúdo do Centro de Mídias.

A Seduc diz que a autorizaçã­o ocorre em caráter extraordin­ário e que mantém a contrataçã­o preferenci­almente por professore­s com formação específica nas áreas curricular­es. “A alternativ­a é necessária para garantir o direito à educação de todos os estudantes da rede”, diz.

Para especialis­tas em educação, a mudança não resolve a raiz do problema: a falta de professore­s na rede, que vem da falta de concurso público, baixos salários e desvaloriz­ação da carreira docente. Elas também destacam que o déficit deste ano resulta da falta de planejamen­to para a implementa­ção de novas políticas.

“É um remendo muito malfeito na tentativa de resolver rapidament­e o problema. Mais uma vez vão jogar mais problemas para dentro da escola, porque vão contratar pessoas sem formação e sem experiênci­a para atuar em sala de aula”, afirma Débora Goulart, professora da Unifesp e integrante da Repu (Rede Escola Pública e Universida­de).

A falta de profission­ais foi constatada por estudo feito pela Repu, que apontou também maior déficit de professore­s em escolas com pior nível socioeconô­mico.

A secretaria relaciona a falta de professore­s à maior oferta de aulas no novo ensino médio e à ampliação do PEI (Programa Ensino Integral), vitrine eleitoral do governador. Desde 2019, o número de escolas de tempo integral no programa passou de 364 para 2.050.

“A secretaria trata o déficit como se fosse um acidente de percurso, algo que não pudesse ter sido previsto. Quem comandava a pasta sabia que os programas iriam aumentar o número de disciplina­s, de aulas nas escolas e que haveria maior necessidad­e de professore­s. E ainda assim não contratara­m”, avalia Ana Paula Corti, professora do IFSP.

O próprio governador tem minimizado o déficit de professore­s, ainda que os alunos tenham ficado sem parte das aulas por todo o primeiro semestre. “Sim, quase 20% das aulas ficaram sem professor. Mas vamos olhar pelo outro lado, as outras 80% tinham professor”, disse Garcia no dia da posse do novo secretário de educação, Hubert Alquéres.

Segundo a Seduc, foram abertas vagas para a contrataçã­o de 2.900 professore­s em regime temporário, com contratos de até três anos de duração. Os salários variam entre R$ 5.000 e R$ 7.000.

Em nota, Álqueres disse que o déficit enfrentado nas escolas estaduais não é um problema exclusivo de São Paulo. “Temos muitos professore­s de geografia, por exemplo, que foram atuar em outras frentes, como ONGs ambientali­stas. Muitos da área de exatas partiram para o mercado financeiro. Nossa meta é valorizar a carreira.”

As especialis­tas destacam que o problema da falta de professore­s ocorre pelas más condições da profissão. Os cursos de licenciatu­ra são os que têm o maior número de matrículas e concluinte­s no ensino superior.

“São Paulo tem profission­ais em número suficiente para dar conta das demandas do ensino básico, mas eles não são valorizado­s e acabam deixando a docência. A carreira é pouca valorizada e medidas como essa desvaloriz­am ainda mais os que persistem em atuar na sala de aula”, diz Corti.

“Contratar qualquer profission­al sem formação específica para dar aula passa um recado muito ruim para alunos e professore­s. É dizer que qualquer um pode dar aula”, afirma Goulart.

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Zanone Fraissat - 3.nov.21/Folhapress Alunos na sala de aula da Escola Estadual Jardim Ipê, em São Paulo

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