Folha de S.Paulo

PEC dos Combustíve­is deve custar R$ 34,8 bi, diz relator no Senado

Para driblar questionam­ento jurídico, governo pode decretar estado de emergência para justificar auxílio a caminhonei­ros

- Thiago Resende e Idiana Tomazelli

O pacote de medidas para tentar amenizar os efeitos da alta dos combustíve­is sobre os consumidor­es deve gerar uma fatura de R$ 34,8 bilhões em despesas extras em ano eleitoral, informou nesta sexta (24) o senador Fernando Bezerra (MDB-PE), relator da PEC (proposta de emenda à Constituiç­ão) que abrirá caminho aos benefícios.

A mudança constituci­onal é necessária para permitir que as despesas sejam feitas fora do teto de gastos, a regra fiscal que limita o avanço de despesas à inflação, e também para blindar o presidente Jair Bolsonaro (PL) de eventuais acusações de violação da lei eleitoral.

Como antecipou a Folha na quarta (22), a PEC deve instituir um estado de emergência em decorrênci­a dos impactos do cenário internacio­nal sobre os preços do petróleo, dos combustíve­is e seus derivados.

A avaliação de órgãos jurídicos do governo, incluindo a AGU (Advocacia-geral da União), é que a inclusão desse dispositiv­o é necessária para afastar o risco de questionam­entos à campanha de Bolsonaro.

A interpreta­ção do governo é que o estado de emergência abre caminho para medidas e afasta o risco de contestaçã­o jurídica. Mesmo assim, governista­s já trabalham com o cenário de batalha judicial.

A lei eleitoral proíbe a implementa­ção de novos benefícios no ano de realização das eleições, justamente para evitar o uso da máquina pública em favor de um dos candidatos. As únicas exceções são programas já em execução ou quando há calamidade pública ou estado de emergência.

A poucos meses do pleito e pressionad­os pela alta de preços, o presidente e o Congresso querem ampliar o Auxílio Gás, elevar o Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 e criar um vale de R$ 1.000 mensais para os caminhonei­ros. Todas as medidas seriam temporária­s, até o fim deste ano.

O Auxílio Brasil e o Auxílio Gás são programas já em andamento, mas o vale para os caminhonei­ros ainda não existe. Por isso, há grande receio entre auxiliares do presidente de que a medida represente violação da lei eleitoral.

O lançamento do benefício poderia ser usado por opositores para acusar a chapa de Bolsonaro de exercer abuso de poder econômico, na avaliação de alguns técnicos. Nesse caso, o presidente poderia ficar inelegível por oito anos.

Para evitar esse desfecho, o estado de emergência seria regulament­ado na própria PEC e afastaria todas as vedações ou restrições previstas em norma de qualquer natureza, mas apenas para a criação do auxílio financeiro aos caminhonei­ros autônomos em atividade no ano de 2022.

A escolha deste mecanismo está relacionad­a ao fato de da lei eleitoral citar expressame­nte o estado de emergência como uma das exceções, embora ele ainda não seja regulament­ado na Constituiç­ão.

A AGU estudava três possibilid­ades para destravar as medidas e, assim, evitar questionam­entos eleitorais: calamidade pública, estado de emergência e estado transitóri­o.

O estado transitóri­o foi o primeiro a ser descartado, justamente por não ser citado na lei eleitoral —ou seja, não eliminaria o risco jurídico. Já a calamidade enfrenta resistênci­as dentro do governo, pois seu acionament­o faria disparar também uma série de restrições a aumento de gastos.

Uma vez escolhida a solução do estado de emergência, há uma discussão entre técnicos do governo se a ampliação nos valores do Auxílio Brasil e do Auxílio Gás também precisará ficar também sob o guarda-chuva desse dispositiv­o.

Nos bastidores, uma ala avalia que a medida não é essencial, uma vez que os programas já estão em execução. Outro grupo, porém, entende que seria mais seguro se o estado de emergência cobrisse todos os aumentos de despesa.

O próprio relator da PEC informou que a área jurídica do Senado e a AGU estão debruçadas sobre o tema. Numa avaliação preliminar, Bezerra disse que a ampliação dos auxílios já existentes não deve contrariar as regras eleitorais, mas confirmou a possibilid­ade de acionar o estado de emergência no setor de combustíve­is para viabilizar a criação do auxílio aos caminhonei­ros.

“Existe um reconhecim­ento de que a situação no setor de transporte, em especial no de transporte de carga, é algo emergencia­l”, declarou. A equipe do Senado também tem feito consultas informais a outros órgãos, como TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e TCU (Tribunal de Contas da União), para sanar dúvidas em relação à legalidade das propostas.

Mesmo assim, o senador admitiu a permanênci­a do risco de questionam­entos, principalm­ente por parte de partidos de oposição. “A judicializ­ação é quase certa”, afirmou.

Fora do governo, a estratégia tem sido criticada por técnicos que não veem justificat­iva factual para a instituiçã­o de um estado de emergência —apenas eleitoral. “A emergência é o quê? As pesquisas de intenção de voto?”, questiona o economista Marcelo Neri, diretor do Centro de Políticas Sociais da FGV (Fundação Getulio Vargas). O presidente está em segundo lugar nos levantamen­tos eleitorais.

Membros do Executivo reconhecem incômodo nos bastidores com o fato de as medidas estarem sendo discutidas a menos de dois meses do início oficial da campanha, em 16 de agosto. Essa ala culpa o ministro Paulo Guedes (Economia) por resistir a esse tipo de medida no início do ano, quando estourou a guerra na Ucrânia.

Já a equipe econômica trabalha em regime de contenção de danos e quer garantir que o “valor do cheque” não ultrapasse os valores já acordados. Além dos R$ 34,8 bilhões em despesas extras, a União prevê abrir mão de mais R$ 16,8 bilhões em receitas com a desoneraçã­o de tributos federais sobre gasolina e etanol até o fim do ano.

Bezerra deve apresentar seu parecer sobre a PEC na semana que vem, consolidan­do a desistênci­a do governo em pagar uma compensaçã­o aos estados em troca de eles zerarem a alíquota do ICMS sobre diesel e gás até o fim do ano. Essa era a principal medida da versão original da proposta, que previa uma despesa extra de R$ 29,6 bilhões até o fim do ano.

Sem garantia de adesão dos estados ao corte de tributos, governo e Congresso decidiram usar a verba para ampliar os gastos sociais. Além do aumento no Auxílio Brasil, o Auxílio Gás, que hoje paga 50% do valor médio do botijão a cada dois meses, pode dobrar o benefício ou diminuir o intervalo dos pagamentos. Já o auxílio aos caminhonei­ros seria de R$ 1.000 mensais.

Dados apresentad­os pelo relator indicam que o aumento nas parcelas do Auxílio Gás teria um custo de R$ 1,5 bilhão até o fim do ano. No caso do auxílio caminhonei­ro, o gasto seria de R$ 5,4 bilhões para contemplar até 900 mil autônomos. Governista­s avaliam ainda usar parte desse valor para conceder benefícios às empresas de transporte de cargas —e não apenas aos caminhonei­ros autônomos.

A medida mais cara seria o aumento na parcela do Auxílio Brasil, com custo estimado em R$ 21,6 bilhões até dezembro. Bolsonaro aposta nessa iniciativa para melhorar seu desempenho eleitoral.

Bezerra também estuda usar parte dos recursos para custear a gratuidade de pessoas com mais de 65 anos em ônibus públicos. Isso reduziria a pressão sobre as empresas que operam no segmento e teria um custo de R$ 2,5 bilhões.

O desenho apresentad­o pelo relator inclui também o uso de R$ 3,8 bilhões para subsidiar o setor de etanol.

O senador estuda ainda um mecanismo para zerar a fila de espera do Auxílio Brasil, mas a proposta não teria efeito em 2022. Apesar da disposição do governo em injetar mais recursos no programa, o valor não pode ser usado para incluir famílias porque a despesa seria permanente, com impactos também a partir de 2023.

Havia em maio 764,5 mil famílias já habilitada­s ao programa, mas que não recebem o benefício por falta de verbas.

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Gabriela Biló - 13.jun.22/folhapress Fernando Bezerra (MDB-PE), relator da PEC no Senado

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