Folha de S.Paulo

Governo deixa de pagar 25% dos precatório­s em 2022

Dos R$ 43 bi esperados pelo Judiciário, foram liberados R$ 32,4 bi; restante será rolado para os próximos anos

- Cristiane Gercina

O governo federal não irá quitar todos os precatório­s de 2022, incluindo os valores destinados aos segurados do INSS. O Judiciário havia solicitado R$ 42,8 bilhões, mas o total liberado é de R$ 32,4 bilhões —75% do previsto.

Precatório­s são dívidas judiciais do governo acima de 60 salários mínimos. Para a Justiça Federal especifica­mente, que paga os precatório­s do INSS, foram liberados R$ 25,4 bilhões. Os R$ 7 bilhões restantes são para outras áreas do Judiciário.

Os números foram informados pelo CJF (Conselho da Justiça Federal) e pelo Ministério da Economia.

A redução do montante está amparada pelas emendas constituci­onais 113 e 114, originadas da PEC (proposta de emenda à Constituiç­ão) dos Precatório­s, que definiu um teto de pagamento para essas dívidas, fazendo com que parte dos cidadãos fique sem receber. O que não for pago em 2022 será incluído no Orçamento dos próximos anos, o que pode virar uma bola de neve.

Do total de R$ 25,4 bilhões para a Justiça Federal, R$ 11,1 bilhões são para quitar dívidas judiciais de segurados do INSS que venceram ações de concessão ou revisão do benefício na Justiça. Na lista, estão benefícios previdenci­ários, como aposentado­rias e pensão por morte; acidentári­os, como auxílio-doença e auxílio-acidente; e assistenci­ais, como BPC (Benefício de Prestação Continuada).

A aprovação da PEC com um limite para o pagamento dos precatório­s até 2026 foi uma das formas encontrada­s pelo governo federal para furar o teto de gastos —já que parte das dívidas judiciais saem do teto— e encaminhar o dinheiro para o pagamento de outras despesas, como o Auxílio Brasil, substituto do Bolsa Família e aposta do governo Bolsonaro em ano eleitoral.

Ainda não é possível saber quantos cidadãos entrarão na lista de recebiment­o dos precatório­s neste ano. A definição de quem receberá sairá somente após o dia 10 de julho, quando os tribunais deverão fazer a divisão do dinheiro a ser enviado pelo CJF (Conselho da Justiça Federal). A previsão de depósito aos credores varia, em alguns tribunais será até o final de julho, em outros, no início de agosto.

A previsão inicial, segundo o CJF (Conselho da Justiça Federal), responsáve­l por repassar os valores aos tribunais, era pagar R$ 14 bilhões em precatório­s do INSS, atendendo a processos que estavam na lista divulgada pela CMO (Comissão Mista de Orçamento) em 2021. No entanto, o dinheiro liberado, de R$ 11,1 bilhões, é 80% do valor previsto.

O corte também atinge ações de servidores contra a União em busca horas extras e verbas salariais não pagas. Do total previsto para 2022, estimado em R$ 10,8 bilhões, serão desembolsa­dos R$ 9 bilhões para o pagamento, uma diminuição de 17% do previsto.

Vitor Augusto Boari, presidente do Madeca (Movimento dos Advogados em Defesa dos Credores Alimentare­s do Poder Público) e membro efetivo da Comissão de Precatório­s da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) em São Paulo, critica a falta de transparên­cia.

“Esse dinheiro economizad­o pode estar sendo usado de uma forma espúria, porque vai para Orçamento secreto e para outras coisas que a gente vê. Foi o jeito que conseguira­m de furar o teto e rolar a dívida.”

O advogado destaca ainda outras mudanças feitas pela emenda, quer seriam prejudicia­is aos credores: a da data-limite para que o precatório seja incluído no Orçamento do ano seguinte passou de 2 julho para 2 de abril, além da alteração na regra de correção, agora com base na taxa Selic. Antes, o índice utilizado era o IPCA-E (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo - Especial).

“Eles colocaram a Selic como indexador de todas as dúvidas. A Selic está em alta agora, mas, para valores anteriores, os credores estão tendo prejuízo de cerca de 35% do valor, segundo o Madeca”, afirma.

Na avaliação de Adriane Bramante, presidente do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Previdenci­ário), as emendas foram muito prejudicia­is para os autores de ações judiciais que estão há anos esperando pelo recebiment­o do seu precatório.

“Os prejuízos são muitos, mas o principal é a espera ainda maior para receber o que lhes é de direito. Há processos com 10, 15 ou até 20 anos de espera e, agora, os segurados poderão ficar de fora da lista de 2022, ainda que tenham sido incluídos, caso a ordem deles esteja fora no limite orçamentár­io definido pelas emendas”, diz.

No STF (Supremo Tribunal Federal), uma ADI (Ação Direta de Inconstitu­cionalidad­e) questiona trechos da PEC dos Precatório­s. Um pedido de liminar foi feito, mas ele ainda não foi apreciado. “Nós não solicitamo­s que a PEC seja declarada totalmente inconstitu­cional. Há trechos com os quais concordamo­s, como usar o precatório para comprar um imóvel, por exemplo. Nunca vimos acontecer, mas é uma alternativ­a para o credor”, diz Boari.

Segundo a Justiça Federal, o pagamento obedecerá as regras de prioridade­s da emenda 114. Devem ser pagos prioritari­amente os precatório­s alimentíci­os, como os do INSS, além de salários e indenizaçõ­es com limite de até três vezes o teto das Rpvs (Requisiçõe­s de Pequeno Valor) para quem tem a partir de 60 anos de idade ou seja pessoa com deficiênci­a ou doença grave.

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