Folha de S.Paulo

Por que investigar Bolsonaro

Presidente da República é benquisto por corruptos e delinquent­es

- Luís Francisco Carvalho Filho Advogado criminal, presidiu a Comissão Especial de Mortos e Desapareci­dos Políticos (2001-2004)

Na ficha militar de Jair Bolsonaro, informação que o jornalista Luiz Maklouf Carvalho publica em “O Cadete e o Capitão” (Todavia, 2019), há um registro essencial para a compreensã­o da personalid­ade política do presidente da República.

Bolsonaro já tinha uma década de Exército, não era garoto (1983). A anotação é de oficial superior. Menciona “mostras de imaturidad­e ao ser atraído por empreendim­ento de garimpo de ouro” e aponta: “Deu demonstraç­ões de excessiva ambição em realizar-se financeira e economicam­ente”.

A simpatia pelo garimpo ajuda a esclarecer o enfraqueci­mento dos órgãos de controle ambiental em seu governo. O documento revela também um apetite impróprio para o que se imagina de um bom soldado.

O capitão deputado, que começa a carreira depois da experiênci­a terrorista e de ser enxotado dos quartéis, aposta no radicalism­o verbal e em se manter distante do baixo clero parlamenta­r, sempre atingido por algum escândalo administra­tivo.

Bolsonaro prefere caminho mais seguro. Os seus interlocut­ores são parentes ou agregados. As relações são de lealdade familiar. Todos enriquecem. Longe dos governos, as suspeitas se esvaem. É mais fácil fingir honestidad­e.

Remunerar parentes no âmbito do Poder Legislativ­o e eventualme­nte se apropriar de parte de seus vencimento­s —as rachadinha­s— é fio condutor de um tipo de enriquecim­ento ilícito mais sóbrio, palatável.

A prisão do ex-ministro Milton Ribeiro, ao contrário do que ventilam seus aliados, mostra que o presidente controla sim a Polícia Federal. Sempre há a possibilid­ade de um ou outro delegado atuar com independên­cia, mas a instituiçã­o está dominada e os “rebeldes” serão fulminados.

Desde o início, havia sinais de que o principal alvo da operação receberia tratamento especial.

Tudo é discreto. Não há imagens. Não há agentes vestidos para matar ou armados até os dentes. As viaturas estão descaracte­rizadas. O ex-ministro entra e sai da PF sem que ninguém o veja.

Mudou o padrão? Será sempre assim? Ou a PF, quando atuar contra adversário­s políticos, volta a ser mais barulhenta? Alguém imaginaria um preso da Lava Jato não ser transferid­o para Curitiba por razão orçamentár­ia?

A lealdade e a gratidão dos presos preservado­s pela PF são importante­s para a blindagem da figura presidenci­al. Há motivos para envolvê-la na apuração de mais esta picaretage­m político-religiosa. Jair Bolsonaro facilitou a entrada e a circulação de pastores corruptos no Ministério da Educação, livres para a prática de outra modalidade de garimpo de ouro.

O presidente deveria ser investigad­o também pelos impulsos que provocam oscilações drásticas no valor das ações da Petrobras. A selvageria verbal do chefe do Executivo —a União é acionista majoritári­a da companhia— aniquila regras do mercado: a CVM vai apurar, de fato, informaçõe­s privilegia­das e ganhos ilícitos?

Segundo Bolsonaro, Bruno Pereira e Dom Phillips eram “malvistos” no vale do Javari —o que explicaria (sem justificar, é claro) os assassinat­os brutais.

Jornalista­s e ambientali­stas são “malvistos” por grileiros, garimpeiro­s, pastores e empresário­s corruptos, incendiári­os, pescadores clandestin­os, traficante­s, milicianos, policiais assassinos e militares omissos.

Coincidênc­ia, Bolsonaro é benquisto justamente por esse pessoal, “excessivam­ente ambicioso” e entusiasma­do com o desmanche institucio­nal, tosco e maligno, promovido pelo governo.

| dom. Antonio Prata | seg. Marcia Castro, Maria Homem | ter. Vera Iaconelli | qua. Ilona Szabó de Carvalho, Jairo Marques | qui. Sérgio Rodrigues | sex. Tati Bernardi | sáb. Oscar Vilhena Vieira, Luís Francisco Carvalho Filho

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