Folha de S.Paulo

A cobra superstar de Perdizes

- Marcos Nogueira folha.com/cozinhabru­ta

Perdizes, na zona oeste de São Paulo, é o bairro que eu escolhi para morar. Confesso que às vezes tenho inveja dos cronistas residentes em cantos mais interessan­tes.

Perdizes não é nenhum Village, nenhum Marais. Não tem o caos pulsante de Copacabana. Carece de músculo para a surra sensorial que o Pelourinho sabe bem dar. A avenida Paulista e a Liberdade, com o desfile incessante de tipos e figuras, fornecem muito mais material de prosa.

Se às vezes sinto inveja de outras vizinhança­s, na maior parte do tempo estou bem confortáve­l aqui em Perdizes. Morar no olho do furacão costuma ser incômodo: melhor visitá-lo só quando bate a vontade de pegar vento.

Pouco acontece em Perdizes que seja digno de nota. Aqui trabalhamo­s na média. As famílias são de classe média, as ruas não são feias nem bonitas, quase nada é péssimo ou excelente.

Meus contatos nas redes sociais sempre pedem dicas de restaurant­es no bairro onde moro. Sou obrigado a responder “veja bem”. Tem umas comidinhas legais por aqui, gosto das pizzas de entrega, mas nada que valha a locomoção de outra parte da cidade.

Até esta semana, o que fazia a fama de Perdizes eram as ladeiras quase verticais. O morador daqui (perdigueir­o é o gentílico?) exercita bem as panturrilh­as. Até esta semana, quando algo eletrizant­e aconteceu em Perdizes.

Sylas, uma cobra jiboia de estimação, escapou sabe-se lá como de um apartament­o ali atrás da PUC. O bairro está em polvorosa, finge pânico e não consegue disfarçar a excitação.

O grupo de zap do meu prédio, a um quilômetro da cena da fuga, ficou floodado de emojis de serpentes e carinhas apavoradas. “Q absurdo, ninguém merece passar por isso”, escreveu uma vizinha. Outra comentou que uma amiga, aterroriza­da, se exilou em outro bairro até a cobra aparecer.

O desapareci­mento também incendiou a comunidade de Facebook chamada

Dicas de Perdizes —algo como um grupo de zap estendido, uma central de mexericos deste burgo.

Sylas, uma jiboia macho, já buscava o estrelato antes de fugir de casa. Sua dona criou um perfil para ele no Instagram, que agora tem 22 mil seguidores. Lá, Sylas aparece em poses pouco ameaçadora­s, com chapéu de festinha de aniversári­o ou gorrinho de tricô.

A cobra dividia o apartament­o com um gato e um cachorro e, segundo a tutora —assim que se fala, né?—, é absolutame­nte inofensiva. Ao anunciar o sumiço do Sylas, ela pediu para que ninguém se assustasse ou machucasse o animal.

De fato, Sylas não parece oferecer perigo. Na ladeira em que sumiu, deve ter descido — faltam-lhe pernas para subir a Vanderlei ou a Caiubi. Provavelme­nte está com fome.

Se a região tivesse as perdizes que lhe dão o nome, talvez Sylas encontrass­e almoço por aí. Maior é a chance, porém, de que a cobra tenha entrado num bueiro e virado janta de ratazana.

Rato do esgoto não dá clique nem assunto no grupo do condomínio. Deixemos Perdizes ter assunto. Isso não é comum por aqui.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil