Livro sobre aves é uma declaração de amor a esses seres especiais
Obra de Jennifer Ackerman nos torna íntimos de pássaros maravilhosos e convoca à proteção desses animais
“A Inteligência das Aves” é um convite irrecusável a uma viagem por diversos lugares do mundo em busca de descobertas sobre a vida inteligente desses animais. A conclusão é uma pergunta: por que não tínhamos antes nos aproximado mais dessas criaturas geniais, os pássaros? Por que minimizamos a existência tão evoluída deles, como se fossem meros enfeites da natureza?
Quem faz o convite é a ornitóloga americana Jennifer Ackerman, apaixonada por aves e autora deste que é um bestseller das pesquisas no campo dos estudos animais. Diz ela: “Este livro buscou entender os diferentes tipos de genialidade que fizeram das aves animais tão bem-sucedidos [...]. É uma grande jornada, com incursões em lugares tão distantes quanto Barbados e Bornéu, bem como lugares tão próximos quanto o meu quintal”.
A jornada incluiu outros tantos países, dos Estados Unidos ao Canadá, da Austrália à Nova Zelândia, por exemplo. O texto é um vasto apanhado de testemunhos de pesquisadores e de observações da própria Ackerman sobre o modo de “pensar” das aves.
“O livro também é uma viagem para dentro do cérebro dessas espécies”, afirma ela, “chegando até mesmo a células e moléculas que turbinam o pensamento delas e, às vezes, o nosso. Cada capítulo conta a história de aves com habilidades extraordinárias —técnicas, sociais, musicais, artísticas, espaciais, inventivas e adaptativas para testemunhar a inteligência das aves”.
Assim é que Ackerman vai contando não só histórias de pássaros excepcionalmente inteligentes, como o corvo-danova-caledônia —conhecido por sua habilidade para criar ferramentas e o talento na resolução de problemas—, mas também,edemodoigualmente fascinante, o caminho que os pesquisadores seguiram para chegarasuasconclusõessobre a capacidade cognitiva dele.
Tem-se aí, então, um tipo de interação, “um sentimento de comunhão de inteligências” (parafraseando Vinciane Despret) em que a engenharia resultante da inteligência do pássaro que constrói seu ninho é atestada com precisão pelos engenhosos mecanismos que os cientistas inventam.
Quanto à habilidade das aves para imitar sons, a ornitóloga observa que os cientistas estão percebendo semelhanças entre o aprendizado do canto das aves e o aprendizado da fala humana.
Este é o caso da cotovia, “o imitador de muitas línguas”, porque é capaz de imitar o canto de outros pássaros e até mesmo canções humanas.
Claro que Ackerman não deixa de lado a discussão sobre o perigo de se incorrer em erro ao antropomorfizar o comportamento dos bichos, das aves, chame-se a capacidade delas de “inteligência” ou “cognição”.
Mas isso, nesta viagem tão interessante em volta do mundo das aves, é o que menos importa, do ponto de vista da consistência dos estudos que Ackerman apresenta —desde Darwin e antes dele— e do interesse que sua narrativa desperta.
Aqui, os pássaros viram nossos íntimos, espécie companheira da nossa, para evocar o estudo de Donna Haraway. Aqui, a cotovia se chama “Dick”, o corvo é “Blue” e o papagaio tem nome de “Alex”. Ao longo da leitura, nossa vontade é ir conhecer essa gente de perto, em Bordéu ou na Guiné, seja onde for.
No último capítulo do livro, ao tratar da “genialidade adaptativa dos pardais”, Jennifer Ackerman faz o alerta para as consequências desastrosas à existência das aves provocadas pelo antropoceno —“a nova época de mudanças causadas pelos seres humanos, que está contribuindo para o que tem sido chamado de sexta grande extinção em massa”.
As aves estão enfrentando mudanças numa escala nunca vista em sua história evolutiva, diz ela. Os habitats que ocupam há milhões de anos estão virando lavouras e cidades. A mudança climática altera o ambiente de que elas dependem para se alimentar, migrar e se reproduzir.
O texto de Ackerman não é apenas um valioso estudo sobre a inteligência das aves, é uma declaração de amor e uma convocação à proteção desses seres maravilhosos.