Folha de S.Paulo

Flávio de Carvalho tem obras eróticas reveladas

Desenhos são restaurado­s e expostos com telas e gravuras do artista na Estação Cultural de Olímpia, no interior paulista

- Carolina Moraes

Um pacote com mais de 80 desenhos chegou às mãos do curador Marcus Lontra durante os preparativ­os das exposições da Estação Cultural de Olímpia, um espaço inaugurado no município do interior de São Paulo no ano passado.

O que um colecionad­or conhecido do prefeito da cidade guardava nesse grande empilhado eram todos trabalhos do artista e arquiteto modernista Flávio de Carvalho que nunca foram exibidos para o público. E, brinca Lontra, ainda bem que eles ficaram numa cidade seca como Olímpia —fosse no litoral, os desenhos já estariam tomados de bolor a uma altura dessas.

Precisou de um restauro relativame­nte simples para que os trabalhos compusesse­m a principal exposição de inauguraçã­o do espaço, que durou até maio deste ano. Com retratos de mulheres se repetindo entre as obras, o organizado­r resolveu investigar o feminino na obra do artista que ele considera o “enfant terrible” do modernismo brasileiro.

As 40 obras exibidas, entre gravuras, pinturas e os próprios desenhos são parte importante do trabalho de Carvalho, defende Lontra, porque nelas estão reveladas os gestos rápidos e incisivos do artista. É uma agilidade expression­ista que desvela a intimidade daquelas pessoas.

“A questão expression­ista na obra de Flávio de Carvalho tem um erotismo e uma sexualidad­e curiosos”, diz ele.

São qualidades comuns num passeio bem amplo de materiais. Além dos trabalhos mais clássicos com nanquim, o conjunto de obras tem desenhos em que o artista já trabalhava com uma caneta piloto neon e indica que ele foi até o fim da vida inquieto na experiment­ação de linguagens.

Isso é reflexo da trajetória mais macro do artista de Barra Mansa, no Rio de Janeiro, que foi pioneiro da arquitetur­a moderna no país, fez experiment­ações teatrais importante­s e, com frequência, teve exposições fechadas pela polícia sob alegação de atentado ao pudor e de imoralidad­e.

Segundo Lontra, Carvalho e Emiliano Di Cavalcanti são os dois modernista­s com obras em que a presença da mulher é recorrente, mas Carvalho se afasta da romantizaç­ão desses corpos com essas pinceladas mais agressivas. Aqui, os retratos mobilizam uma angústia e até a miséria da existência humana.

Nesse grupo dos artistas modernos, o artista também é como um “cometa de órbita distinta”, defende o organizado­r, para quem é importante que a mostra aconteça no interior do estado de São Paulo —apesar de haver expectativ­a de que os trabalhos sejam expostos na capital paulista.

A Estação Ferroviári­a de Olímpia, onde essas obras são exibidas, funcionou até 1968 quando foi desativada e substituíd­a por rodovias. Foram 15 anos sem uso até se tornar um centro cultural, com obras iniciadas em 2019.

“Ao começar a exibir essas obras aqui, a gente coloca em foco a força do interior”, diz Marcus Lontra. “Nesse cenário do modernismo paulista, Flávio era um estranho. Ele mostra que tinha muita coisa rolando fora do Rio de Janeiro e de São Paulo.”

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Divulgação Obras do artista modernista Flávio de Carvalho em mostra em Olímpia, no interior de São Paulo, que foca produção secreta sobre o corpo feminino
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