Folha de S.Paulo

Humoristas fazem ‘intercâmbi­os’ linguístic­os

Ricardo Araújo Pereira e Gregorio Duvivier voltam aos palcos para espetáculo sobre diferenças entre Portugal e Brasil

- Marina Lourenço Um Português e Um Brasileiro Entram Num Bar... Direção: Gregorio Duvivier e Ricardo Araújo Pereira. Em 25 e 26 de junho (sáb., às 21h, dom., às 19h). Teatro Procópio Ferreira - r. Augusta, 2.823, São Paulo. De R$25 a R$100. 12 anos

“Em Portugal, não há uma palavra como siririca. Em compensaçã­o, o Brasil não tem um termo para minete, que é o sexo oral feminino. Precisamos, então, de intercâmbi­os linguístic­os”, afirma Gregorio Duvivier, em entrevista à esta repórter e ao lado de Ricardo Araújo Pereira, com quem divide o palco em “Um Português e Um Brasileiro Entram no Bar…”, que volta a São Paulo neste fim de semana, cinco anos após a estreia.

Num formato que lembra a dinâmica do stand-up, os humoristas, que também são colunistas deste jornal, trocam reflexões sobre diferenças culturais e linguístic­as entre Brasil

e Portugual e comentam discussões que há décadas cercam o humor, como o debate sobre os limites da comédia.

Pereira, que na semana que vem lança “Estar Vivo Machuca” —coletânea literária de algumas de suas crônicas publicadas neste jornal e pela revista portuguesa Visão—, faz piadas com o sotaque brasileiro e conta algumas de suas experiênci­as como turista no país, que, segundo ele, o faz sentir “em casa” muito mais do que qualquer outro europeu.

O mesmo faz Duviver, que caçoa da pronúncia portuguesa de certas palavras e conta situações engraçadas que já viveu na terra daqueles que, no passado, invadiram o Brasil.

No meio das zoações linguístic­as, porém, estão também os deboches que ambos fazem com seus próprios países.

“Acho que o humor português é muito diferente do brasileiro, que é mais rasgado —e no mau sentido. Nós fazemos piada e, logo depois, damos gargalhada­s. Lá eles são mais sérios. Inclusive, tenho uma tese de que muito do que o brasileiro diz ser ‘a burrice portuguesa’ são, na verdade, piadas que ele não entendeu”, afirma o humorista carioca.

“Uma vez, perguntei a um garçom português como vinha o bacalhau e ele respondeu ‘[o prato] não vem, sou eu quem trago’. Na hora, achei que ele era muito burro. Mas, segundos depois, percebi que estava fazendo uma piada, embora não estivesse rindo. É um humor mais interessan­te.”

Segundo Pereira, que é fundador do grupo humorístic­o Gato Fedorento em seu país, piadas que zombam de portuguese­s e de outras nacionalid­ades não são problemáti­cas, mesmo que a chamada era do cancelamen­to interprete o riso como um tipo de agressão.

Além de impulsiona­r a tal cultura do cancelamen­to, as redes sociais geraram os chamados influencia­dores digitais. E, ainda que muitos deles se apresentem como humoristas, tanto Pereira quanto Duviver afirmam que essas são duas categorias bem diferentes e que “humoristas jamais devem querer influencia­r”.

O português, aliás, questiona o conceito de influencia­dor e diz não compreende­r a profissão. “É uma questão de filosofia da linguagem. Se a gente quer influencia­r alguém, a primeira coisa a se fazer é não dizer que estamos a tentar influencia­r. É mal pensado.”

“Um Português e Um Brasileiro Entram no Bar…” não é o único projeto que une Duvivier e Pereira. Os dois já dividiram uma mesa na Flip, Festa Literária Internacio­nal de Paraty, em 2016, e escreveram alguns dos roteiros do programa “Greg News”, da HBO Max.

Pereira conta que sua colaboraçã­o no programa “foi só esporádica” porque era difícil sacar todas as referência­s das piadas que Duviver elaborava, que incluíam personagen­s como o macaco de estimação do Latino, cantor que o português desconheci­a até então.

“Não conseguia entender o que era ‘um macaco latino’”, diz o humorista. “Outra vez, precisei de várias horas para compreende­r a existência de um deputado chamado Pastor Sargento Isidório.”

Apesar do choque cultural, os humoristas dizem que a parceria deles já virou regra e brincam que “quem sofre com isso são os próprios portuguese­s e brasileiro­s”.

 ?? Álvaro Isodoro ?? O comediante português Ricardo Araújo Pereira, à esquerda, e o brasileiro Gregorio Duvivier, à direita, ambos colunistas da Folha juntos em peça teatral que reestreia hoje em São Paulo
Álvaro Isodoro O comediante português Ricardo Araújo Pereira, à esquerda, e o brasileiro Gregorio Duvivier, à direita, ambos colunistas da Folha juntos em peça teatral que reestreia hoje em São Paulo

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