Humoristas fazem ‘intercâmbios’ linguísticos
Ricardo Araújo Pereira e Gregorio Duvivier voltam aos palcos para espetáculo sobre diferenças entre Portugal e Brasil
“Em Portugal, não há uma palavra como siririca. Em compensação, o Brasil não tem um termo para minete, que é o sexo oral feminino. Precisamos, então, de intercâmbios linguísticos”, afirma Gregorio Duvivier, em entrevista à esta repórter e ao lado de Ricardo Araújo Pereira, com quem divide o palco em “Um Português e Um Brasileiro Entram no Bar…”, que volta a São Paulo neste fim de semana, cinco anos após a estreia.
Num formato que lembra a dinâmica do stand-up, os humoristas, que também são colunistas deste jornal, trocam reflexões sobre diferenças culturais e linguísticas entre Brasil
e Portugual e comentam discussões que há décadas cercam o humor, como o debate sobre os limites da comédia.
Pereira, que na semana que vem lança “Estar Vivo Machuca” —coletânea literária de algumas de suas crônicas publicadas neste jornal e pela revista portuguesa Visão—, faz piadas com o sotaque brasileiro e conta algumas de suas experiências como turista no país, que, segundo ele, o faz sentir “em casa” muito mais do que qualquer outro europeu.
O mesmo faz Duviver, que caçoa da pronúncia portuguesa de certas palavras e conta situações engraçadas que já viveu na terra daqueles que, no passado, invadiram o Brasil.
No meio das zoações linguísticas, porém, estão também os deboches que ambos fazem com seus próprios países.
“Acho que o humor português é muito diferente do brasileiro, que é mais rasgado —e no mau sentido. Nós fazemos piada e, logo depois, damos gargalhadas. Lá eles são mais sérios. Inclusive, tenho uma tese de que muito do que o brasileiro diz ser ‘a burrice portuguesa’ são, na verdade, piadas que ele não entendeu”, afirma o humorista carioca.
“Uma vez, perguntei a um garçom português como vinha o bacalhau e ele respondeu ‘[o prato] não vem, sou eu quem trago’. Na hora, achei que ele era muito burro. Mas, segundos depois, percebi que estava fazendo uma piada, embora não estivesse rindo. É um humor mais interessante.”
Segundo Pereira, que é fundador do grupo humorístico Gato Fedorento em seu país, piadas que zombam de portugueses e de outras nacionalidades não são problemáticas, mesmo que a chamada era do cancelamento interprete o riso como um tipo de agressão.
Além de impulsionar a tal cultura do cancelamento, as redes sociais geraram os chamados influenciadores digitais. E, ainda que muitos deles se apresentem como humoristas, tanto Pereira quanto Duviver afirmam que essas são duas categorias bem diferentes e que “humoristas jamais devem querer influenciar”.
O português, aliás, questiona o conceito de influenciador e diz não compreender a profissão. “É uma questão de filosofia da linguagem. Se a gente quer influenciar alguém, a primeira coisa a se fazer é não dizer que estamos a tentar influenciar. É mal pensado.”
“Um Português e Um Brasileiro Entram no Bar…” não é o único projeto que une Duvivier e Pereira. Os dois já dividiram uma mesa na Flip, Festa Literária Internacional de Paraty, em 2016, e escreveram alguns dos roteiros do programa “Greg News”, da HBO Max.
Pereira conta que sua colaboração no programa “foi só esporádica” porque era difícil sacar todas as referências das piadas que Duviver elaborava, que incluíam personagens como o macaco de estimação do Latino, cantor que o português desconhecia até então.
“Não conseguia entender o que era ‘um macaco latino’”, diz o humorista. “Outra vez, precisei de várias horas para compreender a existência de um deputado chamado Pastor Sargento Isidório.”
Apesar do choque cultural, os humoristas dizem que a parceria deles já virou regra e brincam que “quem sofre com isso são os próprios portugueses e brasileiros”.