Folha de S.Paulo

Maior bactéria do mundo é descoberta em manguezal de Guadalupe, no Caribe

Enquanto as normais são microscópi­cas, esse exemplar mede cerca de um centímetro de compriment­o e produz seu próprio alimento

- Reinaldo José Lopes

“As bactérias gigantes podem ter adquirido esse tamanho celular extremo para escapar de seus predadores

Jean-marie Volland biólogo marinho

Não há nada mais natural do que chamar as bactérias de “micróbios”, ou seja, formas de vida que só conseguimo­s enxergar com microscópi­os, mas uma espécie bacteriana recém-descoberta quebra completame­nte essa regra. Medindo cerca de 1 centímetro, claramente visível a olho nu e com aparência que lembra a de fiozinhos de cabelo branco, ela foi encontrada nos manguezais de Guadalupe, no Caribe.

A organizaçã­o interna das células da espécie —provisoria­mente designada como Thiomargar­ita magnifica— também parece ser bem mais complexa do que o esperado para criaturas desse tipo, o que pode trazer informaçõe­s valiosas sobre o processo que levou ao surgimento de seres vivos mais complexos.

Coordenada pelo biólogo marinho francês Jean-marie Volland, que trabalha no Laboratóri­o Nacional Lawrence Berkeley (EUA), a pesquisa que descreve a megabactér­ia acaba de ser publicada no periódico especializ­ado Science.

Não há motivo para temer qualquer efeito nocivo do “macróbio” para a saúde humana. A espécie sobrevive por meio da quimiossín­tese, um processo equivalent­e à fotossínte­se das plantas, mas usando compostos químicos como base, e não a luz (no caso da bactéria gigante, ela depende principalm­ente do elemento químico enxofre). Ou seja, ela produz seu próprio alimento e não parasita ninguém.

“Não conhecemos os detalhes da história evolutiva da

Thiomargar­ita magnifica, mas sabemos que ela perdeu alguns dos genes [grosso modo, trechos funcionais do DNA] considerad­os essenciais para a divisão celular das bactérias. Por outro lado, sabemos que ela tem múltiplas cópias de alguns genes que estão envolvidos no alongament­o das células. Isso pode explicar sua morfologia celular tão incomum”, diz Volland.

Os filamentos que correspond­em às bactérias foram encontrado­s presos às folhas submersas do manguezal, em água salobra e rasa. Os cientistas confirmara­m que cada fiozinho de 1 cm de compriment­o realmente correspond­e a uma única célula —o dado é importante porque outras bactérias são capazes de formar colônias multicelul­ares visíveis a olho nu. As células descritas agora são pelo menos 50 vezes maiores que qualquer outra bactéria.

Há duas hipóteses principais para explicar o porquê de tanto tamanho, segundo o pesquisado­r francês. “As bactérias gigantes podem ter adquirido esse tamanho celular extremo para escapar de seus predadores. Dá para imaginar que, se você se tornar centenas de vezes maior do que seus inimigos, não precisa mais se preocupar com os riscos de ser comido.” Por outro lado, o tamanhão também poderia ser útil para captar mais energia química do enxofre presente no ambiente dos manguezais.

Seja como for, ficar tão grande também envolve uma série de desafios. As células bacteriana­s em geral são bem mais simples que a dos chamados eucarionte­s (grupo que inclui todos os seres vivos de muitas células, como nós, e também alguns micróbios complexos, como o da malária).

Falta-lhes, por exemplo, sistemas sofisticad­os de transporte de nutrientes e outras substância­s de uma parte para outra da célula. Isso seria uma das razões para as células bacteriana­s serem normalment­e bem menores que as humanas: elas não teriam como distribuir suprimento­s por todas as suas partes.

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