Lobby por cassinos e bicho envolve grupos do Brasil, Las Vegas e Europa
Grupo de estrangeiros quer que Congresso permita instalação de cassinos integrados a resorts
A discussão sobre a liberação dos jogos de azar no Brasil desencadeou, no Congresso, uma guerra entre lobbies de grupos estrangeiros proprietários de resorts, de um lado, e empresários interessados na exploração de cassinos, bingos e jogo do bicho, de outro.
O conflito está relacionado à abrangência da legislação aprovada na Câmara e que está em análise no Senado.
Um grupo, que reúne empresários norte-americanos interessados em investir no Brasil, quer que o Congresso permita a instalação só de cassinos integrados a resorts.
Outro, com representantes de empresas nacionais e associações ligadas ao setor, quer uma lei ampla que sirva como um novo marco regulatório dos jogos no Brasil.
A proposta aprovada na Câmara é um misto dos dois lobbies. Ela permite a exploração de bingos e jogo do bicho, mas prevê exclusividade de cassinos no modelo resort integrado, com hotéis, bares, lojas e salões para eventos sociais.
No Senado, há uma tendência de que a proposta seja reduzida e atenda ao lobby de estrangeiros que prometem investimentos bilionários em redutos eleitorais de políticos.
A primeira tentativa de aprovação do marco regulatório dos jogos no Congresso começou em 2016. Na época, o então presidente da Câmara, Rodrigo Maia (PSDB-RJ), criou uma comissão especial para discutir a melhor forma de legalizar a jogatina no país.
O relator foi o deputado Guilherme Mussi (PP-SP), que é próximo do empresário Johnny Ortiz —fundador em 2007 da empresa Zitro International, que desenvolve jogos online e máquinas caça-níqueis.
O grupo de Ortiz é um dos maiores do setor, com a principal fábrica na Espanha, e atua em mais de 40 países.
À Folha Ortiz negou que tenha articulado com parlamentares a aprovação da proposta que libera os jogos de azar. “Eu não tenho conversado com políticos. Talvez [eles me conheçam] pela empresa, ainda mais por eu ser brasileiro. Mas eu moro fora do Brasil há muitos anos”, disse.
Ele confirmou, entretanto, que fez explanações a Mussi sobre as características do setor antes de o deputado elaborar o relatório da proposta.
“Não tenha dúvida que eu conheço [o deputado Guilherme Mussi]. Conheço o pai dele há mais de 30 anos. Eu vou ao Brasil duas vezes ao ano. Quando ele foi relator, conversei [sobre a legalização dos jogos de azar] para ele entender o mercado dos jogos.”
Mussi confirmou que conversou com o empresário no período de construção do relatório final da proposta.
“Eu falei com ele como falei com vários empresários do segmento. Conversei com os irmãos Fertitta, com Sheldon [Adelson, empresário norte-americano do setor de jogos], e com o Johnny [Ortiz] também, conversei quando eu era o relator. Nada muito relevante que eu não tenha falado com outros também, sempre às claras.”
A família Ortiz fornecia máquinas caça-níqueis ao jogo do bingo no Brasil até 2004, quando o governo Lula proibiu a exploração dos equipamentos. Johnny decidiu continuar os negócios fora do país.
A saída do Brasil foi turbulenta. Os Ortiz foram investigados pela PF por supostamente lavarem dinheiro do tráfico de cocaína para a máfia italiana Cosa Nostra.
O inquérito foi aberto após um pedido de colaboração da polícia da Itália, que encontrou indícios da ligação da família Ortiz com a máfia. Sem indiciar ninguém, a investigação foi arquivada em 2003.
Eles também foram alvos da CPI dos Bingos, no Senado, em 2006. O relatório final da investigação reforçou as acusações de lavagem de dinheiro, mas não indiciou os Ortiz.
A Polícia Civil do Rio de Janeiro abriu um inquérito como desdobramento da CPI, arquivado meses depois.
O Instituto Brasileiro do Jogo Legal é o responsável por tentar convencer parlamentares a aprovar a liberação.
“Esse mercado é muito agressivo, movimenta muito dinheiro. Boa parte [da relação do jogo com a criminalidade] é culpa do Legislativo e Executivo brasileiros. Eles têm de admitir o fracasso do modelo proibitivo. O jogo completou 80 anos de proibição, mas não impediu o crescimento do setor, que movimenta R$ 27 bilhões por ano”, disse à Folha o presidente do instituto, Magno José Sousa.
Gigantes estrangeiros mudaram o rumo das negociações
Apesar do esforço da ala prólegalização, a proposta ficou emperrada no Congresso em 2016 com a chegada de grandes corporações estrangeiras na discussão, no início da guerra dos lobbies.
Na época, o grupo Las Vegas Sands (LVS), que possui sete grandes resorts integrados a cassinos em Las Vegas, Singapura e Macau, procurou membros do governo Michel Temer e importantes congressistas, como Rodrigo Maia, para apresentar os planos de investimento no Brasil.
O fundador do grupo LVS, o magnata Sheldon Adelson, era próximo do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump e ganhou influência política durante o governo do republicano.
Adelson se encontrou com Jair Bolsonaro e o ministro Paulo Guedes pela primeira vez em 2018. Na conversa, ele afirmou que estaria disposto a construir um cassino-resort no Rio de Janeiro, com investimento de US$ 15 bilhões.
A exigência apresentada pelo fundador do Las Vegas Sands era que o Brasil aprovasse uma lei que permitisse apenas a instalação dos cassinos integrados a resorts, sem legalização de outros tipos de jogos de azar ou cassinos urbanos, segundo deputados e assessores presidenciais.
No Brasil, a LVS conta com o auxílio do escritório Lowenthal Advogados e da empresa GR8 Capital Consultoria, de Henry Lowenthal, responsável por aproximar o grupo de Las Vegas a integrantes do Legislativo e Executivo.
Em janeiro de 2020, eles organizaram o encontro de uma comitiva brasileira com representantes da LVS, em Las Vegas. Participaram os senadores Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e Irajá Abreu (PSD-TO), o deputado Hélio Lopes (PL-RJ) e o então presidente da Embratur, Gilson Machado.
O objetivo do encontro era discutir o possível investimento do grupo LVS no Brasil, com a aprovação de lei exclusiva dos cassinos.
Irajá é um dos principais cotados para relatar o marco regulatório dos jogos no Senado.
Mesmo negando a influência do lobby internacional, o senador afirma que, se for escolhido relator, vai reduzir a proposta à legalização somente dos cassinos-resorts.
O presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, Davi Alcolumbre (União-ap), também é cotado para a relatoria.
Johnny Ortiz critica o fato de o grupo Las Vegas Sands prometer investimentos bilionários e mudar os rumos das discussões com forte lobby no Palácio do Planalto.
Sheldon Adelson morreu em 11 de janeiro de 2021, vítima de complicações de um linfoma. O escritório Lowenthal Advogados foi procurado, mas não se manifestou.
A proposta aprovada na Câmara autoriza jogo do bicho, bingo, jogos online e turfe e permite o funcionamento exclusivo de cassinos integrados a resorts, com hotéis, bares e centros de compra.
Rodrigo Pacheco tem argumentado que o Senado tem outras prioridades neste ano, como a reforma tributária. Uma possibilidade é que a proposta dos jogos seja votada em novembro ou dezembro.