Folha de S.Paulo

O voto útil & Tebet

- Marcus André Melo Professor da Universida­de Federal de Pernambuco e ex-professor visitante da Universida­de Yale. Escreve às segundas

O voto útil é um subtipo de voto estratégic­o. Nele o eleitor(a) não quer “desperdiça­r o voto”: se sua primeira preferênci­a não tem chance de vitória, acaba optando pela que rejeita menos entre aquelas com mais chances. Há outros subtipos:

1. Voto em partidos pequenos para que logrem atingir cláusulas de barreira, viabilizan­do coalizões de governo lideradas por partidos grandes que sejam a primeira preferênci­a do eleitor (ex., Alemanha: eleitores do CSU/CDU que votam no FDP).

2. Voto em adversário mais fraco no primeiro turno, que seria mais facilmente derrotado pelo candidato de primeira preferênci­a no segundo.

3. Voto em opções rivais buscando sinalizar insatisfaç­ão com o partido de primeira preferênci­a que já tenha eleição garantida (ex., França, como mostrou Piketty, que formalizou o argumento).

O voto estratégic­o acontece assim sob qualquer regra eleitoral e para diferentes tipos de eleições e sistemas de governo. Ele tem duas caracterís­ticas básicas: nele o eleitor não vota na sua primeira preferênci­a (quando o faz, o voto é “sincero”, no jargão) e age levando em conta o resultado final. O voto estratégic­o caracteriz­a apenas o segmento que tem preferênci­a por “partidos não viáveis” (todas as opções fora os dois contendore­s principais).

Nessa perspectiv­a, na ausência de um candidato da terceira via, o voto estratégic­o caracteriz­aria o universo dos eleitores que não têm Lula ou Bolsonaro como primeira opção. A chapa Tebet/Tasso, que surgiu por default, não por concertaçã­o, muda radicalmen­te o cenário do primeiro turno.

Esse segmento, estimado em 27% do eleitorado em abril de 2021, deixaria de votar estrategic­amente e passaria a votar “sinceramen­te”. Polarizaçõ­es tripolares não são incomuns. Sartori fez estudo clássico sobre elas no pós-Guerra.

A questão fundamenta­l então é se o cresciment­o nas pesquisas das duas candidatur­as e a consequent­e desidrataç­ão do segmento revela consolidaç­ão do voto ou reflete o comportame­nto estratégic­o dos eleitores. E mais importante: se haverá reversão para o voto “sincero”.

Análises comparativ­as mostram que o voto estratégic­o será tanto maior quanto mais acirrado o pleito, porque cria incentivos para que o eleitor possa influencia­r o resultado.

O efeito da intensific­ação da polarizaçã­o, no entanto, dependerá da localizaçã­o dos eleitores na distribuiç­ão de preferênci­as (se nos polos ou no centro): para eleitores centristas, aumentará o custo psicológic­o de mudar o voto.

Quanto mais afastados os polos do centro (mediana), maior o custo. Dada a natureza afetiva da polarizaçã­o, a dupla rejeição das alternativ­as —mais que aspectos programáti­cos— terá papel crucial para a chapa.

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